Que os apaixonados por música me perdoem, mas há uma semelhança evidente na figura do presidente Jair Bolsonaro e no quarteto de Liverpool que ganhou notoriedade na largada da década de 1960. Ambos foram alvo de uma histeria coletiva. Pela Inglaterra, o surgimento dos Beatles movimentou uma massa de fanáticos que recebeu a alcunha de beatlemaníacos. Aqui, do lado debaixo da linha do Equador, um político do baixo clero, com falas polêmicas e pouco decoro, também foi capaz de atrair em 2018 um enorme contingente de seguidores fanáticos e emocionados. Mas as semelhanças terminam aí.

Desde que experimentou o auge da popularidade, em 2018, Bolsonaro minguou, graças a suas inabilidades. Agora, ele escalou dois novos integrantes para formar uma boyband e fazer seu plano de manter-se no palco virar realidade. “Há um desespero, e vem da perspectiva de perda de poder”, disse Juliano Ramos Sampaio, doutor em política e professor convidado da Universidade Oxford.

E nessa ânsia por popularidade e poder figuraram ao lado de Bolsonaro Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. O caminho escolhido foi liberar recursos e alterar a Constituição, mesmo que isso afete a linha que divide o ilegal, o imoral e o irracional. E isso é reflexo de uma rejeição que não é só de Bolsonaro. Segundo o Datafolha, ano passado, 50% dos brasileiros não confiavam em seus senadores e deputados, avanço de 19 pontos percentuais sobre 2019, começo da legislatura da maior renovação de nomes dentro do Congresso desde a redemocratização. Hoje, a rejeição é maior do que em 2015 (44%), quando Eduardo Cunha era presidente da Câmara.

Tudo isso é péssimo para quem depende de voto, e explica a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que garante recursos para que os benefícios sociais sejam turbinados e revertidos em votos. Confiante em seu papel de herói, o relator da PEC 16 (ou Kamikaze, do Desespero, das Bondades, seus outros nomes) na Câmara, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) não contente com a liberação de R$ 40 bilhões em beneficios sociais sem contrapartida na arrecadação resolveu negociar a inclusão do voucher combustível também para motoristas de aplicativo e donos de vans escolares.

Com isso, o céu é o limite no rombo nos gastos. O economista Carlos Rezende Feijó, professor de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo, explica que todo e beneficio social tem de passar por meses de análises estatísticas, pesquisas e filtros. “É impossível hoje o governo saber quantos motoristas de aplicativo existem. Não há um cadastro único para essa categoria.” O mesmo vale para motoristas de van e até caminhoneiros autônomos. Vem vazamento de dinheiro público aí.

Na avaliação do acadêmico, além de não atingir diretamente a população que realmente precisaria de suporte do governo, a medida abre brechas enormes para fraudes. E sem resolver problemas mais profundos. “No Brasil de hoje o caminhoneiro e o motorista de aplicativo não são os perfis sociais mais vulneráveis. Há milhões de pessoas que não possuem nada, quem dirá um caminhão ou um carro. São 19 milhões de brasileiros sem comida”, afirmou Feijó.

Para o professor Sampaio, da Oxford, o direcionamento de recursos para duas importantes bases de apoio na campanha de Bolsonaro em 2018 caracteriza crime eleitoral. Na quarta-feira (6) o Tribunal de Contas da União (TCU) atendeu a um pedido do Ministério Público e abriu apuração sobre o caráter da PEC. O objetivo é avaliar como o texto se relaciona com a corrida eleitoral. O subprocurador-geral Lucas Furtado, que assina a petição pela investigação, acredita que a criação de um estado de emergência no Brasil, como prevê a PEC, seja “uma manobra do governo para turbinar programas sociais e, assim, fugir das restrições da legislação eleitoral”, disse. No STF os ministros já esperam a chegada de interpelações da sociedade civil e de partidos políticos, como o Novo, que sinalizou que irá acionar o Supremo. No sonho de ser popular e relevante por muito tempo, como uma banda de rock, o combo Bolsonaro-Lira-Pacheco pode cair na maldição de banda de apenas um sucesso, seguido de inúmeros fracassos.