Há um principio da economia, desses defendidos lá na Idade Média, de que a resposta mais simples é sempre a mais eficiente. O pensamento, que recebeu o nome de navalha (ou tesoura) de Occam, nada mais é do que escolher a saída que tenha o menor número possível de variáveis. Mesmo refutado por muitos pensadores que vieram após Guilherme de Occam desenvolver tal raciocínio, ele ainda é usado. Recentemente o ministro da Economia, Paulo Guedes, vestiu a tesoura e a navalha como poucas vezes visto durante esse governo.

Em uma tacada só ele vai aplicar a promessa liberal de cortar impostos para 4 mil produtos industrializados, vai reduzir a capacidade gastadora do Legislativo e ainda pediu antecipação de dividendos para arcar com os custosos rompantes eleitoreiros do presidente Jair Bolsonaro e se manter dentro da lei, método que há pouco tempo era chamado de pedalada fiscal. Com a fita métrica dos gastos no fio da navalha, Guedes pode conseguir a proeza de fechar o ano com as contas no azul, mas vai deixar a corda muito curta para o próximo presidente e dificultar a vida de seu eventual sucessor.

Assim como Occam sugere, Guedes escolheu a saída com menos variáveis. O Congresso gasta demais? Corta a entrada de dinheiro dos impostos. Não tem grana pra PEC? Só pedir antecipação dos dividendos de Caixa, Banco do Brasil, BNDES e Petrobras. São respostas relativamente simples e com resultados minimamente calculados — até o fim do ano fiscal de 2022. Segundo o secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, tudo isso é possível porque o governo tem domínio sobre o andamento das contas públicas. “A gente está caminhando para chegar ao final do ano com déficit muito baixo, próximo de zero, ou com superávit. Seria o primeiro superávit fiscal após oito anos”, disse.
Hoje a projeção da secretaria é que o governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência) feche 2022 com déficit de R$ 59,3 bilhões, 9% abaixo do estimado há dois meses. O número é bem melhor que o rombo de R$ 170,4 bilhões previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O problema é que ainda deve ser pressionado pelos R$ 58 bilhões a serem gastos por Bolsonaro em suas benesses eleitoreiras. Segundo Colnago, para fechar essa despesa extraordinária, a equipe de Guedes trabalha para usar alguma despesa extraordinária também.

EFEITO CASCATA O problema é que essa equação aparentemente simples não é assim tão pueril. Os motivos que vão resultar nessa conta mais azul que vermelha é fruto de esforços fiscais questionáveis. O primeiro deles foi a decisão de jogar parte das despesas com precatórios para o próximo ano (só nisso uma conta de R$ 89 bilhões caiu para R$ 44 bilhões). O segundo são as receitas extraordinárias com a privatização da Eletrobras (R$ 26,8 bilhões) e dividendos do BNDES (R$ 18,9 bilhões do lucro de 2020 e 2021). Para Daniel Couri, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) todas as medidas que envolvem antecipação são apenas paliativas. “Antecipar receita é menos dívida agora e mais depois.”

Além desse jogo de antecipar dividendos e postergar dívidas, ano que vem também vai piorar a dívida pública. Segundo o Tesouro Nacional, o endividamento da União passou de R$ 5,6 trilhões em abril para R$ 5,7 trilhões em junho (+2%). E a perspectiva é de piora no cenário fiscal de 2023. Guedes não se importa e tem pressa. O corte do Imposto sobre Produtos Industrializado (IPI) deve sair nos próximos dias com vigência imediata. Ao todo serão 4 mil itens, com exceção dos concorrentes daqueles que saem da Zona Franca de Manaus. Já antecipando algum prejuízo direto ou indiretos para quem opera no Amazonas, a Câmara prepara projeto que oferece aos empresários do polo crédito (de 5% do faturamento) para investimento em tecnologia.

Com todas essas forças pressionando e puxando o Orçamento, Guedes precisará de um trabalho de samurai para conduzir sua tesoura e navalha de Ockham. Ou ele faz isso, ou cairá na mesma descrição que fez de Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, em 2016, para a DINHEIRO. “Levy virou a mesma coisa que Maílson da Nóbrega no fim dos anos 1980. Gerencia uma massa falida, cumpre a tabela e reza para o governo acabar logo.”