Um projeto de lei em tramitação em Hong Kong simboliza uma polêmica mundial e gera preocupação nas grandes empresas de tecnologia sediadas no local. A intenção é criminalizar a prática de doxing, que consiste em divulgar, sem consentimento, dados pessoais sobre terceiros na internet com finalidades de exposição.

Embora não seja crime a divulgação de dados básicos que constam, por exemplo, em contas pessoais nas redes sociais, o governo chinês tenta responsabilizar penalmente a exposição de dados que levem a campanhas de desmoralização e perseguição – o famoso “cancelamento”.

+ Aplicativo alimentado por tosses pode ajudar na detecção da covid-19

+ Preocupações com crescimento e queda de ações chinesas de tecnologia pressionam Wall Street

A prática tornou-se comum em Hong Kong em 2019, durante os protestos por liberdade e democracia, e espalhou-se pelo mundo. A tática dos manifestantes era expor policiais que cometiam abusos de autoridade e funcionários judiciais que criminalizavam as reivindicações.

Enquanto o governo de Hong Kong tenta proteger dados de seus cidadãos, o projeto de reformulação de lei deixa em alerta a Asia Internet Coalition (AIC), que reúne Google, Facebook, Twitter e Apple. Esse consórcio de gigantes de tecnologia acredita que as mudanças tornam a lei ampla e genérica e que, assim, daria poder para as autoridades chinesas aplicarem multas e até prenderem funcionários das empresas. A AIC, em carta à BBC, explica que a única maneira de as empresas evitarem as sanções seria interromper investimentos e serviços em Hong Kong.

Já a chefe-executiva da cidade, Carrie Lam, alega, em entrevista coletiva, que reuniões com representantes das empresas devem resolver os impasses.

Ativistas afirmam que Pequim mina as liberdades, sobretudo no contexto da lei de segurança nacional em vigor desde 2020. A proposta antidoxing prevê multas de até US$ 130 mil e cinco anos de prisão para quem revelar dados de terceiros sem autorização que possam ser utilizados para ameaçar ou intimidar.

Doxing pelo mundo

O debate sobre a prática de doxing ganhou notoriedade nos Estados Unidos durante as manifestações pró-Trump, em 2020. De acordo com o jornal Washington Post, a fotógrafa Laura Jedeed filmou um grupo de ativistas que a intimidaram e a ofenderam pelo exercício da profissão. Ela postou seu vídeo, que viralizou nas redes sociais. Alguns dos homens foram identificados e tiveram expostos seus números de telefone e endereços – um dos homens chegou a perder o emprego.

Ativistas antifascistas estadunidenses alegam que a retórica de ódio é protegida pela Primeira Emenda (liberdade de expressão, entre outros direitos) e que o doxing é uma reação não violenta a uma violência. O doxing, no entanto, é praticado também por ativistas de direita contra desafetos.

Já na Holanda, o ministro de Justiça, Ferdinand Grapperhaus, também deseja tornar crime a prática de doxing.

“A grande facilidade com que algumas pessoas pensam que podem intimidar divulgando informações privadas sobre outras pessoas é mais do que ultrajante. Isso ultrapassa o limite do permitido quando as pessoas são prejudicadas em suas vidas, nossos policiais são prejudicados em seu trabalho e os cientistas não podem mais falar livremente”, disse Grapperhaus ao jornal local NL Times.