Um sonho destruído pelo preconceito e transformado em luta por igualdade. Essa é a história de Maite Schneider, mulher transexual que queria seguir carreira em Direito Penal quando sentiu na pele a descriminação. “Fui presencialmente aos 20 maiores escritórios de direito penal de Curitiba, mas nenhum quis me contratar simplesmente por eu ser trans”, afirmou Schneider à DINHEIRO. Na ocasião, ela estava no quinto período da faculdade. Vendo todos seus colegas de sala empregados, a curitibana entrou em profunda depressão e trancou o curso. O tempo sombrio durou três anos e só teve fim quando Maite encontrou a quadrinista Laerte Coutinho e a advogada Márcia Rocha. Unidas, as três mulheres transexuais decidiram se dedicar a um projeto audacioso: o Transempregos, maior portal de vagas e currículos para pessoas trans do Brasil. “Nossa meta é desativar o portal em 15 anos, pois significa que os transexuais já estarão inseridos naturalmente no mercado de trabalho e não precisarão mais de plataformas de apoio como a nossa”. Em sete anos, o site contabiliza uma média de 100 contratações por mês e 715 empresas cadastradas, 200 delas nos últimos dois meses.

Segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% da população trans tem a prostituição como fonte de renda por não conseguir emprego no mercado de trabalho formal. Mas esse cenário dá indícios de mudança. Mesmo sem dados atualizados, especialistas notam um crescimento na presença de profissionais transexuais em empresas. A tendência segue um movimento global. Inspiradas em multinacionais, muitas companhias do Brasil observaram os benefícios da diversificação no ambiente de trabalho e passaram a promover programas de recrutamento específicos para as minorias. As contratações, segundo Maite, têm rendido ótimos retornos por parte das empresas e dos colaboradores. “Talento e competência não têm ligação com identidade e orientação sexual, mas ao mesmo tempo essas características fazem um profissional diferenciado e extremamente resiliente”, disse.

Para Patrícia Rechtman, cofundadora do marketplace de créditos Finplace, o diferencial de cada profissional transforma a diversidade em um ponto essencial para as empresas que querem seguir atualizadas. “A diversidade traz diferentes olhares e aproxima o produto à resultados melhores”. A plataforma possui 25% dos cargos representados por alguma minoria e, segundo Rechtman, é um ambiente que realmente valorizar essa inclusão. “Não adianta estar na empresa e não ter voz ativa”, afirmou a cofundadora do Finplace.

ATENTO Parte importante dessa inclusão está no processo seletivo, que deve ser diferenciado e deve levar em conta a situação da população no País. De acordo com estudo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 82% da população trans sofre com a evasão escolar e somente 0,1% dos estudantes das universidades federais são pessoas transexuais. Esses resultados, muitas vezes, eliminam candidatos trans ainda no processo de seleção de currículos. Por isso, em grande parte dos casos as contratações são realizadas por plataformas especializadas, como a Transempregos. Ela oferece os serviços gratuitamente e possui diversas grandes marcas que realizam contratações e processos seletivos. Uma das que mais se destaca, segundo Maite, é a Atento. A empresa de contact center possui 150 mil funcionários e realizou, nos últimos sete anos, 1,3 mil contratações de pessoas transexuais através do site Transempregos. Segundo a vice-presidente de recursos humanos da companhia no Brasil, Ana Marcia Lopes, do total de solicitações de nomes sociais nos crachás, 15% ocorrem por identidade de gênero.

Outra companhia de recrutamento e seleção de candidatos, a Revelo também observou um crescimento no interesse das empresas em relação à inclusão. Segundo Alberto Lopes, diretor de vendas da companhia, seis em cada 10 empresas buscam informações sobre processos seletivos inclusivos e de diversidade. Além das contratações, há espaço para empreender.

Gabriel Reis

“Se o mercado hoje é pouco diverso, a culpa é de quem o compõe e não das pessoas que estão fora dele” Gustavo Glasser, CEo da carambola.

Gustavo Glasser é um exemplo, fundador e CEO da Carambola. A empresa foi criada para aliar educação e inclusão social ao setor de tecnologia. Com foco em preparar pessoas em situação de vulnerabilidade para o mercado de trabalho, o desenvolvedor de sistemas elaborou uma estratégia que rendeu à companhia o faturamento de R$ 2 milhões em 2020. Homem trans, Glasser negocia com grandes empresas um processo seletivo diferente, com a participação de três candidatos, sendo um deles integrante de alguma minoria social, obrigatoriamente. Durante esse processo, que dura cerca de quatro meses, a empresa paga o equivalente a um salário para cada participante e uma quantia voltada para a estrutura da companhia durante esse período.

Com o objetivo de ajudar na inserção de minorias no mercado de trabalho brasileiro, a Carambola consegue empregar, em média, 90% de seus alunos. Glasser afirma que a maior dificuldade é educar quem já está no mercado, e não o contrário. “Se o mercado hoje é pouco diverso, a culpa é de quem o compõe e não das pessoas que estão fora dele”.

Para o CEO, os movimentos em busca de inclusão devem ganhar ainda mais força e, juntos, serão responsáveis por educar hoje para garantir, no futuro, a diminuição da desigualdade.