O deputado Antônio Delfim Netto costuma brindar seus interlocutores com uma metáfora recorrente, na qual opõe o mercado às urnas. ?Quando um deles vai longe demais, o outro corrige?, ensina o professor aposentado da USP. Na semana passada, aos 78 anos, recolhido ao silêncio da sua esplêndida biblioteca na cidade de Cotia, o ministro de três governos militares se perguntava o que deu errado na sua relação com a urna. Com pouco mais de 38 mil votos, Delfim perdeu a eleição para deputado federal em São Paulo, falhando em obter o sexto mandato consecutivo. Foi um choque para a opinião pública, acostumada por décadas à sua figura gorda e simpática, e um golpe terrível para o próprio Delfim, que não imaginava uma derrota dessas proporções. Ele hesitara em lançar-se candidato, temia um mal resultado, mas, quando ele veio, com menos de um terço dos votos de 2002, abateu-se. ?Nem tive coragem de ligar. Foi um desastre?, diz o economista Ibrahin Elias, amigo de 30 anos. Aos poucos que conseguiram falar com ele, Delfim soou desiludido. ?Fui aposentado?, sentenciou.

É improvável que o fim da carreira parlamentar signifique o encerramento da vida pública. Em 1975, ao final do maior ciclo de crescimento da história brasileira, Delfim foi vetado por Ernesto Geisel em sua ambição de governar São Paulo. Frustrou-se mas retomou. Dez anos depois, encerrada a ditadura e com o País mergulhado em recessão, tornou-se uma figura execrada. Mesmo assim saiu candidato pelo PDS e elegeu-se deputado constituinte. Desde então não deixou o Parlamento. Ali construiu uma reputação de tolerância, inteligência e eficiente articulação política. Tornou-se um dos líderes naturais dos congressistas, que percebiam por trás do seu humor afiado uma compreensão profunda da economia e da vida nacional. Delfim só falhou em entender seu próprio eleitorado. Foi para o PMDB em 2005 e aliou-se a Lula na eleição presidencial. Sua base conservadora não veio com ele. ?O Delfim avançou em suas idéias e o eleitorado não acompanhou?, resume o consultor João Guilherme Vargas Neto. Houve outro problema. Ao trocar de partido, Delfim perdeu o suporte da máquina eleitoral do PP, sem nada receber em troca do PMDB: nem infra-estrutura de campanha nem uma onda de votos na qual surfar. ?Tivesse ficado no PP ele seria eleito na carona de Paulo Maluf?, constata Antônio Augusto Queiroz, do Diap.

Na Fiesp, onde preside o Conselho de Economia, a derrota eleitoral de Delfim foi recebida sem assombro. ?Não vai mudar nada?, diz Paulo Skaf, líder dos industriais paulistas. ?Delfim tem estatura própria, com ou sem mandato.? Às vésperas do primeiro turno, imaginava-se que o ex-ministro, que goza da confiança de Lula, poderia ocupar um ministério em nome do PMDB. Agora, já não é certo que Lula vá seguir na Presidência. Mas, se esse for o caso, talvez possa alçar Delfim de conselheiro constante a auxiliar permanente. Não seria mal ter ao lado do presidente um economista que acredita em crescimento e tem faro apurado para crises.