Por muitos anos, Nildemar Secches e Luiz Fernando Furlan comandaram duas das maiores empresas do setor de alimentação do Brasil separadamente. Secches, à frente da Perdigão, e Furlan, no controle da Sadia. Os dois, cada qual a seu modo, sempre tiveram trânsito livre nas altas rodas do poder e acesso aos grandes investidores. 

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Duplo comando: Nildemar Secches (à esq.) e Luiz Furlan (à dir.), da Sadia, são
hoje copresidentes da empresa de alimentos mais valiosa do Brasil

Somente em julho de 2009, entretanto, perceberam como a nova companhia formada pela união de Perdigão e Sadia, batizada de Brasil Foods, mudaria a forma como seriam recebidos ao redor do mundo. Naquela época, Secches embarcou para Nova York em busca de dinheiro para pagar as dívidas de R$ 2 bilhões que a Sadia havia contraído no mercado de derivativos. O chamado road show para captar investimentos surpreendeu o atual 

 

copresidente do conselho de administração da BR Foods. Secches e Furlan perceberam uma mudança no comportamento dos investidores. Antes eram recebidos por administradores de fundos voltados para países emergentes. Desta vez, quem os atendeu foram os comandantes dos fundos globais. 

 

“Fiquei impressionado”, conta José Antonio Fay, presidente da BR Foods, pouco antes do período de silêncio imposto pela CVM às companhias de capital aberto. Ali, ficou claro que a BR Foods passava a ser vista como uma gigante global pronta para fazer frente a qualquer companhia do mundo. E os números não mentem: juntas fizeram a receita líquida saltar de R$ 11,3 bilhões, em 2008, para R$ 20,9 bilhões, em 2009. 

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O lucro líquido também acompanhou a evolução, saindo de R$ 54 milhões para R$ 228 milhões. Por esse e outros fatores, a Brasil Foods foi eleita a Empresa do Ano de AS MELHORES DA DINHEIRO. “Criar uma empresa para competir globalmente era um sonho antigo”, diz Furlan, copresidente do conselho de administração da BR Foods. “E a companhia ainda trará resultados extraordinários para os acionistas e para o Brasil.”

 

Para avançar mais no mercado, a BR Foods ainda precisa do aval final do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Desde a assinatura da fusão, em maio de 2009, as duas empresas só puderam unir a tesouraria, a área de carnes in natura e as operações comerciais no mercado internacional. 

 

Isso já trouxe resultado, mas é relativamente pouco para tudo o que pode ser feito quando a empresa receber o sinal verde do órgão governamental. Antes de chegar ao Cade, o processo da fusão passou pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), que recomendou a venda de algumas marcas, entre elas a Batavo. “Foi só uma sugestão”, diz Fay. 

 

“Estamos convictos de que os nossos argumentos são fortes e essa é uma operação pró-mercado.” Uma operação, é bom frisar, que trará vantagens competitivas para a BR Foods. É que a companhia contratou a consultoria McKinsey para estudar as melhores práticas de cada empresa e também as sinergias resultantes da fusão. 

 

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Depois da fusão, a Brasil Foods se tornou responsável por 20% do consumo

de frangos no mundo e a 5a maior exportadora do país

 

Descobriu-se que as economias podem chegar a R$ 500 milhões ao ano. “As duas empresas se complementam”, diz Sandra Peres, analista da corretora Coinvalores. “A Sadia é muito forte como marca e a Perdigão tem uma boa gestão financeira.”

 

Até selar o negócio de vez a empresa deverá percorrer um longo caminho. “A decisão não deve sair antes de 2011”, diz Arthur Badin, presidente do Cade. Por isso, os comandantes da BR Foods tomaram algumas medidas para manter o bom clima na empresa. 

 

“Todos os funcionários estavam muito ansiosos e havia um nível de insegurança alto”, afirma Secches, da BR Foods. O executivo não diz isso da boca para fora. A cada quatro meses, pesquisas são realizadas com os funcionários para saber o que eles pensam sobre o ambiente. 

 

Diante do nível de ansiedade e também para reter os talentos na companhia, a direção anunciou, em maio, o novo organograma de vice-presidentes. “Assim todos ficaram sabendo o que acontecerá depois de aprovada a fusão”, diz Fay. Essa decisão revela um lado crucial para o desenvolvimento da companhia. Trata-se da área de recursos humanos. 

 

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“O grande dilema é formar gente”, diz Secches. “É isso o que faz uma empresa crescer.” Para suprir essa demanda, a BR Foods empregou 26,91 horas/ano em treinamento para cada um de seus funcionários. “Queremos resgatar na companhia um plano de sucessão para todos os níveis hierárquicos”, diz Secches. “É importante ter um sucessor definido para cada vaga.”

 

A ordem nos corredores da BR Foods é planejar a empresa para o futuro e já há estudos para o cenário de 2015. Mais do que preparar a companhia para a disputa de mercado, a ideia é aumentar a percepção dos investidores sobre as boas práticas de governança corporativa. “Sempre estivemos na vanguarda nesse quesito”, diz Secches. 

 

“A boa governança corporativa traz segurança, mostra que uma empresa controla os riscos e tem respeito pelos direitos dos acionistas minoritários”, diz Adriane de Almeida, coordenadora do centro de conhecimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).  

 

Para uma companhia com números colossais como a BR Foods, isso é vital. Imagine controlar um batalhão de 105 mil funcionários, possuir 60 unidades industriais no Brasil e quatro no Exterior, contar com 36 centros de distribuição e vender mais de três mil itens em 110 países. 

 

Pois essa é a missão dos principais executivos da empresa. Tudo na BR Foods é superlativo. “Geramos 300 mil empregos indiretos”, diz Fay. Na área de aves, então, os números são impressionantes. Dona de 20% do mercado mundial de frangos, a companhia abate sete milhões de animais por dia. Para suprir essa quantidade diária, a empresa mantém 220 milhões de frangos em suas unidades. “É mais do que toda a população do Brasil”, conta Fay.

 

A empresa trabalha em duas frentes para manter essa gigantesca engrenagem funcionando: no mercado interno, que responde por 58,1% de suas vendas, e no mercado externo, que garante 41,% de seu faturamento. “Eles se posicionam bem nos dois mercados”, diz Alcides Torres Junior, analista da Scot Consultoria.

 

Para ganhar posição tanto aqui como fora do Brasil, a BR Foods teve de se preparar para uma questão que hoje significa a sobrevivência de qualquer companhia no mundo dos negócios: a sustentabilidade. 

 

“Essa também é uma questão financeira”, diz Secches. “Para vender aos supermercados ingleses, temos que apresentar todos os selos de sustentabilidade.” Um dos projetos da companhia, aliás, se tornou referência mundial. 

 

A Sadia criou um programa de suinocultura sustentável que recebeu registro atestado pela Organização das Nações Unidas (ONU) – o primeiro do setor agrícola no mundo inteiro. Como funciona? Biodigestores são instalados nas granjas onde são criados os porcos. 

 

Com isso, os dejetos dos suínos são fermentados por bactérias em tanques cobertos, o que inibe a emissão de gás metano, um dos vilões do efeito estufa. Os gases capturados são convertidos em créditos de carbono e a estimativa da companhia é gerar 600 toneladas de CO2 por ano. 

 

Outro projeto de destaque no portfólio da BR Foods é a fábrica inaugurada, em março de 2009, em Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros do Recife. A companhia investiu R$ 300 milhões para tornar a unidade sustentável e, dessa forma, neutralizar 100% das emissões de carbono. 

 

Entre as várias técnicas implantadas na fábrica, o destaque fica com um sistema de água autossustentável. Ao lado da unidade, há uma lagoa para captação de água da chuva canalizada dos telhados e pátios. É o suficiente para garantir 60% do abastecimento na planta fabril. 

 

Esses detalhes fazem toda a diferença em um mundo no qual os consumidores passaram a se preocupar com o meio ambiente e a concorrência tem se intensificado cada vez mais. Nos últimos anos, frigoríficos como JBS-Friboi e o Marfrig foram às compras e passaram a incomodar a BR Foods. 

 

O JBS-Friboi, por exemplo, fatura R$ 60 bilhões ao ano, é o maior produtor mundial de carnes e possui marcas como a americana Swift. Já o Marfrig tem se mostrado a maior pedra no sapato da Brasil Foods. Isso porque a empresa tem apostado suas fichas em áreas que vão bem além dos cortes de carne. 

 

Recentemente, o grupo comandado por Marcos Molina comprou por US$ 1,26 bilhão o frigorífico americano Keystone Foods, fornecedor global de hambúrgueres para o McDonald’s. Isso fez o faturamento do Marfrig saltar de R$ 10,28 bilhões, em 2009, para estimados R$ 28 bilhões. 

 

E não é só no mercado externo que a empresa está ganhando força. Em setembro de 2009, a empresa comprou a Seara do grupo americano Cargill por US$ 900 milhões. Desde então, tem investido pesado para fortalecer a marca e fazer frente à Sadia e à Perdigão. Só para patrocinar as Copas da África e a do Brasil, em 2014, a empresa desembolsou US$ 100 milhões. 

 

Nesse contexto, analistas esperam o contra-ataque da BR Foods. “Acredito que Sadia e Perdigão devem entrar com mais força no mercado bovino no Exterior”, diz Otávio Cançado, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). 

 

“Eles têm competência, força e capital.”  Indagado sobre a tão comentada expansão internacional, Secches não esconde que tem planos para aumentar a presença das marcas da BR Foods ao redor do mundo. “O nosso plano prevê essa expansão”, diz Secches. O que falta? Apenas o sinal verde para que as principais marcas do grupo possam, definitivamente, andar de mãos dadas.

 

* Com Crislaine Coscarelli