Há meses circulam relatos de que Moscou estaria oferecendo. a criminosos comuns de colônias penais, liberdade em troca da mobilização para o front da guerra na Ucrânia.

Agora, um vídeo feito com um telefone celular, divulgado por grupos de oposição, parece confirmar a informação.

+ Zelenskiy sugere retomar exportações de amônia russa em troca de prisioneiros de guerra; Kremlin rejeita

+ Com um sorriso, Putin avisa Ucrânia: a guerra pode ficar mais séria

+ Putin diz que Rússia não é culpada por crise energética da UE

Nele vê-se um homem calvo, de uniforme militar verde-oliva onde ostenta duas condecorações semelhantes à Heróis da Federação Russa, a mais alta concedida no país.

Ele se parece muito com o empresário Yevgeny Prigozhin, notório por sua ligação estreita com o Kremlin. Segundo a mídia nacional, ele manteria o mais famoso exército particular russo, o Grupo Wagner, que estaria combatendo na Ucrânia, valendo-lhe assim a condecoração como “Herói da Rússia”.

Supostamente numa penitenciária, o protagonista do vídeo– divulgado na quarta-feira por adeptos do oposicionista Alexei Navalny e alguns canais da plataforma de mensagens Telegram – promete aos homens reunidos dinheiro e liberdade em troca de seis meses de combate como parte de seu Grupo Wagner. Explicando que a guerra na Ucrânia é “dura”, ele afirma que só quer “soldados de combate”. Críticos do Kremlin consideram as imagens autênticas.

As revelações contidas não são surpreendentes: “Prigozhin se esforça muito e visita as colônias penais pessoalmente”, já afirmava em agosto à DW Olga Romanova, diretora da organização de direitos humanos Russia Behind Bars (Rússia atrás de grades).

O primeiro confronto com participação de presidiários russos ocorreu em meados de julho, em Lugansk, no extremo leste da Ucrânia. Romanova calcula que até o começo de agosto o empresário tenha recrutado pelo menos 2.500 presos, e crê que esse número possa chegar a 60 mil – o equivalente a 10% da população carcerária total da Rússia.

Necessidade urgente de novos soldados

Após a bem-sucedida contraofensiva das tropas ucranianas na região de Kharkiv, intensificou-se o clamor por uma mobilização geral, sobretudo por parte de blogueiros nacionalistas. No entanto, o Kremlin continua negando ter iniciado uma guerra, referindo-se apenas a uma “operação militar especial” visando a “desmilitarização e desnazificação” do país vizinho.

Assim, os novos combatentes não são recrutados diretamente pelo Ministério da Defesa. Na quinta-feira, por exemplo, o líder tchetcheno Ramzan Kadyrov se pronunciou no Telegram uma “mobilização própria” descentralizada: cada região russa poderia equipar e treinar “pelo menos mil combatentes voluntários”, e desse modo o Estado disporia de uma tropa de 85 mil homens, “quase um exército”, exortou Kadyrov.

Em entrevista à TV no fim de agosto, um representante do Ministério da Defesa de Moscou chegou a uma cifra semelhante, 90 mil, como meta para uma mobilização nacional. Segundo cálculos de Kiev, a Rússia teria até agora enviado 160 mil militares para a invasão da Ucrânia.

O recrutamento de voluntários transcorre de diversas maneiras, inclusive nos territórios ucranianos ocupados. Segundo o jornal Kommersant, existem mais de 40 unidades regionais desse tipo. Também o exército regular está sendo ampliado: no fim de agosto o presidente Vladimir Putin ordenou o alistamento de 130 mil novos soldados.

O decreto entra em vigor em 1º de janeiro de 2023, porém, diante das perdas no front ucraniano, é urgente a necessidade de mais homens. De acordo com cálculos ucranianos, desde o início da invasão, em 24 de fevereiro, mais de 50 mil soldados inimigos teriam sido mortos. Por sua vez, no começo de agosto as Forças Armadas dos Estados Unidos estimavam as perdas russas em 20 mil.

Vida nova à custa de vidas alheias

Portanto os presidiários seriam mobilizados principalmente para a frente de combate avançada. Falando à Times Radio, o analista de defesa britânico Michael Clarke denominou a medida uma “criptomobilização”, em que Moscou está “raspando o barril” para reunir todo contingente possível. Ela poderia inaugurar um capítulo ainda mais sangrento no conflito, já que sobretudo os condenados a penas longas pouco têm a perder, além de estar mal treinados e ser alheios à disciplina e estratégia militar.

Entre os recrutas presidiários encontram-se criminosos perigosos, mas também pequenos delinquentes como Ruslan, de 20 anos. Sua prima Svetlana (ambos nomes alterados pela redação) contou a um correspondente da DW que ele cometera um delito leve e tinha pena de apenas um ano a cumprir.

A princípio ele rejeitou a ideia de ir lutar contra a Ucrânia, porém no início de julho houve um recrutamento na penitenciária, em que ele e cerca de 70 presidiários se apresentaram. Svetlana protestou junto ao Ministério Público, mas sem sucesso. Em agosto Ruslan lhe ligou da Ucrânia, pedindo-lhe para o “tirar de lá” urgentemente. Ela vai tentar.

Ainda assim, entre numerosos presos é grande a disposição de entrar na guerra, devido à falta de outras perspectivas, relata Olga Romanova: “Para os presos, muitas vezes essa é a única possibilidade de começar uma vida nova: turando a vida de outros”, lamenta a ativista de direitos humanos.