Vladimir Putin já declarou várias vezes que odeia seu conterrâneo e homônimo Vladimir Lênin. No entanto, na segunda-feira (27) seu governo repetiu algo que apenas o patrono da Revolução Soviética havia feito. Não pagou um empréstimo externo. O governo russo deveria ter quitado US$ 100 milhões em juros de títulos da dívida que venciam no dia 27 de maio e tinham uma tolerância, ou “grace period”, de 30 dias. Esse prazo se encerrou na segunda-feira, o que decretou o calote russo.

Porém, como tudo o que envolve o governo de Putin, há controvérsias. Moscou jura que tem dinheiro para pagar e rejeitou a alegação de que a Rússia está inadimplente. O porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, afirmou na manhã da segunda-feira que o país fez os pagamentos, mas eles foram bloqueados pela empresa de compensação Euroclear. “O calote não é problema da Rússia”, afirmou. A questão é que as sanções impostas pela Europa e pelos Estados Unidos devido à invasão da Ucrânia no início de março impedem a movimentação do dinheiro. O governo de Putin até tentou honrar os compromissos pagando em rublos, mas as sanções também se estendem à moeda russa, o que confirmou o calote.

Em circunstâncias normais, uma inadimplência de US$ 100 milhões para uma economia do porte da russa é um problema resolvido com dois telefonemas. No entanto, as circunstâncias estão longe de ser normais, e suas consequências podem ser drásticas para diversos países emergentes, Brasil entre eles.

US$ 100 milhões é o valor da inadimplência Russa

As sanções em resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia, com as represálias de Moscou, transformaram efetivamente o país em um pária no sistema financeiro global. Do início de março ao fim de maio, o governo russo vinha conseguindo encontrar maneiras de honrar seus pagamentos. No entanto, as tentativas de contornar as sanções fracassaram em junho, quando o Departamento do Tesouro dos EUA endureceu as regras. Desde então, a autorização para que o banco central da Rússia processasse pagamentos em dólares por meio de bancos americanos e internacionais deixou de existir.

Embora o calote possa não ter muito impacto imediato no mercado, os eurobônus do governo russo de prazos mais longos, que estavam sendo negociados com um prêmio de 30% sobre seu valor de face, chegaram a cair para um deságio de até 80% e agora retornaram ao valor de face. Na prática, uma redução significativa do interesse por títulos russos. E o problema deve crescer. Outros US$ 2 bilhões em pagamentos devem ser honrados antes do final do ano, embora alguns dos títulos emitidos após 2014 possam ser pagos em rublos ou outras moedas.

As consequências são graves. O calote afetará as classificações de risco da Rússia, o acesso ao mercado e os custos de financiamento nos próximos anos. E como os Estados Unidos lançaram sanções que provocaram essa situação, isso na prática representa um torniquete que só será afrouxado pela vontade americana. Em um cenário de alta internacional dos juros das economias mais respeitáveis, como Estados Unidos e os países da Zona do Euro, os problemas russos podem tornar difícil a vida dos demais países que precisam captar dinheiro no mercado internacional. Além de mais caros, os recursos devem se tornar cada vez mais escassos.