Não se trata de um mercado fácil. O emaranhado fiscal brasileiro criou um universo que movimenta R$ 158 bilhões, fatiado entre pelo menos 84 mil escritórios de todos os portes para atender empresas igualmente heterogêneas — tributadas em MEI, Simples Nacional, lucro presumido e lucro real. Um ecossistema fragmentado que emprega 522.840 profissionais, segundo o Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Mas o complicador desse universo não está no número elevado de players, ou de contadores. Está no imbróglio fiscal brasileiro, em que leis federais, estaduais e municipais muitas vezes se sobrepõem ou, pior, se opõem.

Foi vislumbrando esse caos que a startup Roit viu uma gigantesca oportunidade. Por meio do uso intensivo de tecnologia, a empresa paranaense nascida em 2016 tem 150 funcionários, carteira de mais de 300 empresas e um plano ambicioso: se tornar um unicórnio — aquelas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão. São 1.164 unicórnios no mundo, sendo 17 brasileiros, segundo o relatório da CBInsights. E quem lidera essa marcha de inovação contábil é Lucas Ribeiro, o CEO de 35 anos da Roit. “O principal problema do mercado contábil ainda hoje é a cultura: das empresas e das pessoas”, afirmou à DINHEIRO. “É uma área pouco inovadora, que ficou para trás na tecnologia.”

Ao utilizar modelagem de Inteligência Artificial e outras soluções tecnológicas, a empresa ataca gargalos históricos do segmento. O que atraiu certa ira por parte de escritórios contábeis, contadores e dos próprios conselhos de contabilidade. “Até hoje, o CRC do Paraná nos notifica e é custoso manter uma equipe para responder todas as notificações”, afirmou Ribeiro. “Eles imaginam que vamos substituir ou eliminar os profissionais de contabilidade, mas isso é falso.” Uma atitude parecida à de taxistas que atacavam motoristas de aplicativos para manter artificialmente uma reserva de mercado. Procurado, o CRC do Paraná não respondeu à reportagem.

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“O principal problema do mercado contábil ainda hoje é a cultura: das empresas e das pessoas. É uma área pouco inovadora, que ficou para trás” Lucas Ribeiro, CEO da Roit

Com a IA e a robotização, a Roit simplesmente automatiza as operações possíveis. O próximo passo, no entanto, deve preocupar mais a categoria. Já é possível utilizar a tecnologia em funções analíticas e estratégicas. Isso não quer dizer que o contador vai ficar sem trabalho, mas que suas atividades mudarão e que ele terá que se atualizar — como advogados iniciantes que deixaram de fazer copy-paste em processos e largaram isso para máquinas.

Glaydson Trajano, conselheiro do CFC, não tem nada contra a corrente. Ele disse que a tecnologia contribui para que os escritórios entreguem cada vez mais um produto impactante para os negócios do cliente. “O trabalho do profissional ficará muito mais estratégico”, afirmou. “Há um público cada vez mais ávido por respostas rápidas e eficazes, e a automação e a IA resolvem isso.”

JORNADA Na Roit, o sucesso não foi sem dores. Teve muito erro e acerto, disse Lucas Ribeiro. “Buscamos oportunidades, pessoas e soluções fora e dentro no Brasil, e montamos um time de machine learning que sofreu muito no começo, errou muito”, afirmou o CEO. “Nosso engenheiro de dados sabe o que é um balanço, crédito, débito, alíquota e outros domínios específicos do setor, necessário para que a solução seja mais efetiva.” Por isso foi um longo período até chegarem à “esteira mágica”, como chamam a principal solução da companhia: mais de 2 bilhões de cenários tributários em sua base, processados por Inteligência Artificial. Isso tomba em automatização de 92% das análises, chegando a 98% de precisão.

1.164 é o número de unicórnios (startups que valem pelo menos us$ 1 bilhão) no mundo

2 bilhões é a quantidade de cenários tributários na base de dados da empresa paranaense processados por ferramentas de IA.

A esteira mágica, segundo ele, é a única do mercado contábil que se enquadra no conceito de hiperautomação, cunhado pela Gartner, uma das maiores consultorias de tecnologia no mundo. Para isso é preciso ter nove tecnologias integradas: Inteligência Artificial, machine learning, arquitetura de software orientada a eventos, automação robótica de processos (RPA), gerenciamento de processos (BPM), interfaces inteligentes de gerenciamento de processos (iBPMS), plataforma de integração como serviço (iPaaS), ferramentas com pouco código ou sem código e packaged software (conjunto de programas de computador parecidos).

A era de inovação e tecnologia oriunda de startups não se reflete apenas nos segmentos em que elas atuam. Para Ribeiro, o efeito chega para toda a economia. Ele usa como exemplo empresas tributadas por lucro real (faturamento superior a R$ 78 milhões), que representam 55% das arrecadações tributárias no País. “Reduzir o custo operacional é fator-chave na redução de preço dos produtos.” E isso significa ganho para todo consumidor.