A filial da Igreja Ortodoxa Ucraniana que ainda era filiada à égide de Moscou e que rompeu os laços com o patriarca russo disse que não poderia ficar calada diante do conluio entre o líder religioso e o Kremlin, disse seu porta-voz neste sábado (28).

O bispo Kliment recebeu a AFP no Laure des Grottes em Kiev, um imponente mosteiro de paredes brancas e cúpulas douradas, onde a calma reinava apesar da revolução que abala a Igreja Ortodoxa Ucraniana.

No dia anterior, ele decidiu romper definitivamente todos os laços com a Rússia após séculos de história comum, devido a um profundo desentendimento com seu patriarca sobre a guerra na Ucrânia.

“Condenamos e nos dissociamos dos comentários sobre a agressão russa na Ucrânia feitos pelo Patriarca Kirill”, declarou o religioso ucraniano.

“O mandamento +Não matarás+ não pode ter outra interpretação (…) e é difícil entender as justificativas ou o silêncio do patriarca de Moscou sobre a tragédia atual”, acrescentou.

Logo após a invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro, Kirill assumiu os argumentos do presidente Vladimir Putin em seu nome, evocando uma luta contra as “forças do mal” opostas à histórica “unidade” entre Rússia e Ucrânia. Esta posição, repetida em várias ocasiões, causou alvoroço entre os fiéis ucranianos que, segundo o bispo Kliment, foram as forças motrizes por trás da separação.

“Durante anos, houve pressões do Estado ucraniano” por uma separação com o patriarcado de Moscou, mas “hoje há uma necessidade, uma demanda na sociedade da Igreja”, destacou.

– Status único –

Este pedido também veio dos territórios separatistas pró-Rússia, assegurou.

“O conselho foi seguido por representantes de todas as dioceses, incluindo as do leste” e sua decisão “será transmitida à Crimeia e ao Donbass. Isso imporá coragem e sabedoria aos sacerdotes dessas regiões se quiserem preservar a unidade da Igreja e não perder seu rebanho”, reconheceu o porta-voz.

Mas para ele é essencial que sua Igreja permaneça nesses territórios, “porque muitas vezes serve de ponte para as autoridades ucranianas” negociarem “o retorno ou troca de prisioneiros de guerra, a entrega de ajuda humanitária ou outras questões importantes”.

Nessas áreas, onde todos os canais políticos são cortados, “o status único da Igreja Ortodoxa Ucraniana é muito prático”, insiste.

Uma parte da Igreja ucraniana, representada pelo Patriarcado de Kiev, já havia rompido com Moscou por causa da anexação da Crimeia e apoio aos separatistas pró-Rússia em Donbass, e jurou fidelidade em 2019 ao Patriarca Bartolomeu, de Istambul.

Segundo o bispo Kliment, os padres da filial de Moscou não têm intenção de fazer o mesmo.

Quanto às relações com seus irmãos ortodoxos, “vai depender de sua posição”, mas “sua atitude não é construtiva”, disse ele, insinuando que uma reaproximação não é iminente.

Enquanto isso, sua Igreja terá que se dedicar a explicar a decisão a seus fiéis.

Quando deixou o serviço neste sábado, as opiniões permaneceram divididas. “Já esperava esta ruptura e a apoio, porque a Bíblia diz que você não deve matar”, diz Sergei, 37 anos.

Lyudmila, 65, espera que os padres parem de orar pelo Patriarca Kirill durante as missas. “É muito horrível e ofensivo”, afirma.

Mas Olena, 40, está “preocupada”. Ela espera que sua Igreja não desista do uso da língua russa para a liturgia. “Isto une corpo e alma e nos deu força durante séculos”, destaca.