Na semana passada, quando o presidente Xi Jinping caminhou ao púlpito de votação para colocar sua cédula no Congresso Nacional do Povo, o parlamento da China, ele podia facilmente se considerar um homem todo-poderoso. O órgão aboliu, com facilidade, o limite de mandatos. Dos 2.964 membros do Congresso, apenas dois votaram contra a medida e quatro se abstiveram. E, enquanto os Estados Unidos iniciam o que parece ser uma guerra comercial, se fechando para o mercado internacional, Xi ganhou aval para manter seu plano de transformar a China na principal economia global.

Com uma população de 1,3 bilhão de pessoas e um PIB que saltou de US$ 564 bilhões, em 1994, para US$ 12 trilhões, em 2017, a liderança mundial parece ser questão de tempo – o PIB dos Estados Unidos é de US$ 18 18 trilhões. Até agora, a China estipulava que seus presidentes pudessem permanecer no cargo por, no máximo, dois mandatos consecutivos, num total de dez anos. Xi Jinping, que iniciou seu segundo mandato, tem planos traçados desde 2013, o que garantia uma certa previsibilidade. Mas, e agora, com um mandato eterno? “Ele conseguiu modificar a constituição bem facilmente. Então, empresários podem ter dificuldade de acreditar em promessas feitas pelo governo”, afirma Victor Shih, especialista em assuntos chineses da Universidade de San Diego, nos EUA. Essa incredulidade pode atingir inclusive negócios do Brasil, já que a China é o principal parceiro comercial e comprador de minério de ferro e soja brasileiros.

Entre as medidas que Xi deve manter a todo vapor (confira tabela ao final da reportagem), está o plano maciço de investimento em obras de infraestrutura, dentro e fora da China. No exterior, a maior parte das aplicações fará parte da iniciativa Belt e Road (BRI, na sigla em inglês), que pretende, entre outras coisas, fazer uma ligação ao longo da Ásia e Europa, investindo pelo menos US$ 1 trilhão, de acordo com o governo. Outra importante transformação da economia chinesa, antes baseada na exportação, está no estímulo ao consumo de sua enorme população. Indústrias de produtos de alto valor agregado passaram a ser estimuladas e financiadas por bancos estatais enquanto aquelas de produtos de base, aos poucos, estão sendo abandonadas.

Obras e mais obras: uma das prioridades de Xi é investir em infraestrutura, dentro e fora da China. Trabalhadores (à esq.) montam trilhos no Tibet. Um porto seco (à dir.) foi construído do zero no deserto do Cazaquistão (Crédito:Cao Ning e Reuters/Sue-Lin Wong)

A China também tem se preocupado cada vez mais com sua independência tecnológica. “Antes, ela precisava importar itens eletrônicos. Agora, a indústria entra, de forma muito agressiva, no mercado de chips e carros de energia renovável“, afirma Shih. O resultado já vem sendo observado há alguns anos, já que o mercado local é quase totalmente servido por empresas de tecnologia nacionais, como Baidu, Tencent e Alibaba, com uma presença acanhada de Google e Amazon.

Mas, talvez, o maior desafio de Xi seja o controle da dívida pública e privada, resultado dos financiamentos e investimentos. A ideia é que cada negócio seja avaliado com cautela, evitando repasses para empresas sem capacidade de pagar. Há uma preocupação de que do Governo esteja fazendo pouco diante de uma dívida estimada em quase 300% o valor do PIB chinês, segundo o Banco de Compensações Internacionais. “Uma pequena flutuação na economia chinesa pode acarretar perdas em todo o mundo”, afirma Margareta Drzeniek-Hanouz, diretora de Progresso Econômico do Fórum Econômico Mundial, fazendo referência ao fato de que a China representa quase 15% do PIB mundial. “Não existe uma ideia concreta de controle disso, então precisamos observar o que acontece no mercado chinês com cautela.”

AUTORITARISMO O sistema relativamente descentralizado, com limite de mandatos, vinha funcionando bem desde 1978, quando Deng Xiaoping, sucessor de Mao Tsé-Tung, iniciou reformas que culminaram no rápido crescimento econômico. Deng, aliás, apesar de ser o líder de facto do país, nunca ocupou a presidência. Em teoria, o cargo é meramente cerimonial. Mas desde os anos 1990, quem o ocupa também é nomeado Secretário Geral do Partido Comunista e Presidente da Comissão Militar Central, cargos de reais poder sem limite máximo de mandato – e que Xi Jinping já ocupava. Além das mudanças recentes, o presidente já havia conseguido, nos últimos meses, acrescentar à Constituição do país o “pensamento de Xi”, que estabelece um trabalho contínuo de crescimento e de poder do Partido Comunista.

Território demarcado: as gigantes Baidu (à esq.) e Alibaba são consideradas o Google e a Amazon da China, respectivamente. Após muita dificuldade, as duas empresas ocidentais entraram no país, mas ficam bem atrás de suas concorrentes (Crédito:Divulgação)

A questão principal é se a mudança configura um real passo em direção a um regime muito autoritário. O Índice de Democracia da revista britânica The Economist coloca a China em 1390 lugar quando avaliadas as liberdades civis e pluralismo político. O país fica atrás de Cuba e Venezuela. “Ao olharmos a história recente chinesa, quando o poder fica nas mãos de uma só pessoa, problemas sérios aparecem”, afirma Carl Minzner, professor de direito da Universidade de Forham, nos EUA, e autor de um livro sobre autoritarismo na China. “No período em que Mao Tsé-Tung esteve no poder (1948 a 1976), houve enorme instabilidade política e econômica, com planos de governo baseados no pensamento de um indivíduo e não em conhecimentos técnicos.”

Mas quem lida diretamente com a economia chinesa tem outra visão do assunto. “É claro que a sensação é a de perpetuação, mas derrubaram a regra porque as coisas estão caminhando bem”, afirma Orlando Merluzzi, CEO da MA8 Management Consulting. “Isso significa que Xi pode ficar, mas não necessariamente irá querer ficar pelo resto da vida na função.” Para quem conhece bem tanto o funcionamento da sociedade chinesa quanto o da brasileira, a questão de continuidade parece ser essencial para o prospecto de sucesso. “No Brasil, o poder passa de mão em mão de quatro em quatro anos, e nem sempre dá certo.

Um acaba mudando tudo que o outro começou”, afirma Charles Tang, conselheiro da Câmara de Comércio Brasil-China. “A permanência de Xi é uma forma de a China terminar o que foi planejado.” Por mais controverso que seja o assunto, não há como negar que Xi Jinping conseguiu o que parece ser impossível para qualquer pessoa. Aos 64 anos, ele é o protagonista de um país que já tem quatro das dez maiores empresas do mundo (ICBC, China Construction Bank, Agricultural Bank of China e Bank of China), segundo o ranking da Forbes, e que, no atual ritmo de crescimento do PIB em torno de 7%, ultrapassará os Estados Unidos na segunda metade da próxima década.