De um lado, menos gastos para o governo. De outro, milhões de famílias sem trabalho nem renda. O fim do auxílio emergencial, definido pelo Congresso como a principal ferramenta para compensar as perdas da pandemia, criou o maior e mais complexo dilema econômico do País em 2021. A esperada retomada da economia, que deveria chegar acompanhada de uma ampla campanha nacional de vacinação contra a Covid-19, ainda não aconteceu. Sem retomada e sem vacina, as perspectivas são sombrias. Agora há poucas alternativas para o governo senão estender o auxílio por mais alguns meses ou criar um programa de renda capaz de suprir o orçamento dos mais pobres.

Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, se o governo não agir imediatamente, “o País vai entrar em um processo de ‘estagflação’, que é quando você sai do buraco, começa a andar de lado e volta para aquela mediocridade do crescimento que caracterizou o período de 2016 para frente”, afirmou. “Se nada entrar no lugar do auxílio, haverá uma queda abrupta no consumo. O benefício está sendo substituído por um mercado de trabalho muito enfraquecido.” Neste cenário adverso, haverá ainda mais distorções sociais, já que a maior parte dos beneficiados pelo programa eram os desempregados e autônomos, atingidos diretamente pela recessão econômica. Segundo o especialista em política social da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Vinícius Botelho, a situação é urgente. “O Brasil fez um auxílio emergencial gigantesco, mas não promoveu nenhum reajuste no Bolsa Família, o que gerou um ‘voo de galinha’ na redução da pobreza”, disse Botelho.

“A equipe econômica trabalha para encontrar soluções para a questão da renda” Paulo Guedes, Ministro da Economia.

DESAFIOS O problema pode ser maior do que pintam grande parte dos economistas. Sem o auxílio emergencial ou qualquer outra iniciativa de amparo aos mais vulneráveis, até 3,4 milhões de brasileiros podem entrar para a extrema pobreza — condição que, pelos critérios do Banco Mundial, são pessoas que sobrevivem com menos de US$ 1,90 (cerca de R$ 10) por dia. “Não há dúvidas de que os R$ 298 bilhões distribuídos para 68 milhões de brasileiros durante nove meses de pandemia foram extremamente importantes para as classes D e E, e que algo novo precisa ser pensado para 2021”, disse Nicola Tingas, economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). “No curto prazo não há alternativas, pois a economia não reagiu como se esperava e existem mais de 30 milhões de brasileiros sem emprego e renda.”

Um antídoto defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é a antecipação do pagamento do 13º salário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do abono salarial. Guedes alega que a medida é viável porque não teria custo fiscal e ajudaria a amortecer, de forma rápida, o impacto do fim do auxílio emergencial. “A equipe econômica trabalha apra encontrar soluções para a questão da renda”, disse.

Kleyton Amorim

“Não sou mágico, não tem como propor uma solução no curto prazo sem abalar o Teto dos Gastos” Arthur Lira, Deputado (PP-AL).

A decisão, no entanto, ainda está em estudo e sofre certa resistência até do presidente Jair Bolsonaro, que estaria disposto a esperar para ver o que acontece nos próximos meses. Na semana passada, ele chegou a ironizar a pressão que vem sofrendo para estender o benefício. “Se pagar R$ 5 mil por mês, ninguém trabalha mais”, afirmou o presidente.

SINAL VERDE No Congresso, há uma predisposição entre os líderes de que algo precisa ser feito, com urgência. A pauta deverá ser uma das prioridades das Casas Legislativas no retorno dos trabalhos. Tanto que os dois principais nomes para ocupar a cadeira de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara — o deputado Arthur Lira (PP-AL), apoiado por Bolsonaro, quanto Baleia Rossi (MDB-SP) apoiado por Maia — já deram sinal verde para as discussões. “Não sou mágico, não tem como propor uma solução no curto prazo sem abalar o que todo mundo preza”, disse Lira, sobre o risco de estourar o teto de gastos. Rossi reforçou a mesma urgência. “Temos de encontrar os recursos. É uma questão de reorganizar despesas. Governar é eleger prioridades.” A pressão pelo auxílio emergencial cresce também à medida que há uma segunda onda da pandemia, com explosão de novos casos e mortes. Sob qualquer ângulo, o fim do auxílio emergencial é considerado um veneno para toda a economia, com efeitos irreversíveis para a questão social. Para o pesquisador Daniel Duque, do Ibre/FGV, a desigualdade deve aumentar quase 10% neste ano em razão do fim do auxílio.

Pedro Ladeira

“Temos de encontrar os recursos. É uma questão de reorganizar despesas” Baleia Rossi, Deputado (MDB-SP).

O Índice de Gini (medidor da desigualdade, em que quanto mais próximo de 1 pior é a distribuição de renda) estava em 0,494 em novembro passado. Sem o auxílio, o indicador iria a 0,542 na mesma base de comparação. Isso porque a renda da população, em novembro, alcançou a média de R$ 1.286, valor 5,8% acima do resultado registrado em maio, quando começou o benefício emergencial. Duque afirma que a desigualdade tinha caído em 2019 pela primeira vez desde 2014, mas que o saldo do ano passado deve empatar com o de 2019.

Outro aspecto negativo do fim do auxílio, na projeção de especialistas, será a disparada do endividamento das famílias. Pesquisa do Datafolha apontou que, entre as famílias que receberam o benefício, 36% não têm outra fonte de renda. Para o economista Alessandro Azzoni, a previsão é de um cenário preocupante para esse início de 2021. “Com o fim do auxílio emergencial, teremos uma queda acentuada no poder de compra das famílias, o que irá provocar uma natural retração da demanda”, afirmou Azzoni. “Essa ajuda deveria continuar, pois as famílias poderiam equilibrar a renda e sobreviver, pois não têm de onde tirar recursos.”

Suamy Beydoun

“Se o governo defende o adiantamento do 13º, tem que defender a extensão do auxílio” Rodrigo Maia, Presidente da Câmara (MDB-RJ).

Essa encruzilhada entre a questões fiscal e a social coloca o governo e o Congresso num ringue de grandes dificuldades. Já para a população que depende do auxílio, até que a economia volte aos eixos, o socorro estatal parece ser a única saída. O ano mal começou, e o fim do auxílio emergencial já trouxe a primeira lição: se a economia estava ruim com ele, será muito pior sem ele.