A série “Round 6”, ou “Squid Games”, da Netflix, é um fenômeno de audiência global que teve a melhor estreia da história da plataforma de streaming: 111 milhões de fãs em apenas 27 dias. Contudo, quem pensa que a série foi uma super produção, com investimentos massivos de dinheiro, engana-se.

O Today Online diz que a primeira temporada custou U$ 22,9 milhões, U$ 2,9 milhões por episódio: é a produção mais cara da história da Coreia do Sul. No entanto, é um valor pequeno em relação às grandes produções do audiovisual internacional.

A série “Stranger Things”, também da Netflix, custou U$ 10 milhões por episódio, segundo a Variety. “Wanda Vision”, da Disney +, custou U$ 25 milhões por episódio. A série mais cara, ainda em produção, “O Senhor dos Anéis”, da Amazon Prime, teve custo de U$ 465 milhões em sua primeira temporada.

De acordo com a Forbes, Round 6 já é a série mais assistida em 90 países.

O sucesso cultural da Coreia do Sul

Depois de anos de governos militares, o primeiro presidente civil em 30 anos da Coreia do Sul, Kim Young Sam, questionou-se, em 1994, como o filme “Parque dos Dinossauros” superou o lucro da venda de 60 mil carros da Hyundai. Desde então, segundo reportagem do Los Angeles Times de 1996, o governo coreano passou a investir em peso em sua indústria cultural.

Essa “onda coreana”, “hallyu” em coreano, começou nos anos 90 e passou a ser colhida nos últimos anos. Filmes como “Oldboy” (2003) fizeram grande sucesso e colocaram o país no mapa do audiovisual internacional, que culminou com o primeiro Oscar de melhor filme a uma produção de fora dos Estados Unidos: “Parasita” (2019).

Outro fenômeno global coreano, a banda BTS e o chamado pop coreano (K-pop) também são frutos de longo investimento pelo estado na cultura – em 2005, foram investidos U$ 1 bilhão no gênero musical. No entanto, estima-se que só o BTS movimente até U$ 3,7 bilhões por ano na economia do país.

A onda coreana explica em parte como a Coreia triplicou seu Produto Interno Bruto (PIB) entre 2000 e 2018 de U$ 500 bilhões para U$ 1,5 trilhão, de acordo com dados do governo coreano. Para ter uma ideia, segundo o Ministério de Economia da Coreia do Sul e do Ministério de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Brasil, a Coreia investiu R$ 31 bilhões em cultura, turismo e esporte em 2021, contra apenas R$ 2,2 bilhões do governo Bolsonaro (sem partido).

A exportação de produtos culturais coreanos chegou a U$ 12,3 bilhões em 2019, aumento de 22,4% com o incentivo a artistas e empresas – há investimentos público e privados na cultura. O Ministério do Turismo da Coreia indica que, em 2017, metade dos turistas tiveram interesse no país após alguma série ou filme.

O investimento cultural ajuda a entender como o turismo na Coreia do Sul, que era muito próximo ao brasileiro em 2003, conseguiu aumentar tanto enquanto o brasileiro segue estagnado.

Por que faz tanto sucesso?

A série explora histórias sobre a cultura coreana e a forte desigualdade econômica no país, mas lida com dilemas universais, como a distopia ficcional. As brincadeiras infantis contidas no filme dialogam com pessoas de diversas faixas etárias em todo o mundo.

O Ddakji, que é semelhante ao “bafo” brasileiro; batatinha frita 1,2,3, que virou meme em diversas redes sociais; colmeia de açúcar, cabo de guerra, bolinhas de gude, ponte de cristal e o último, jogo da lula.

Além disso, essas brincadeiras, mortais na série, refletem toda a desesperança de um planeta que se recupera de uma pandemia, mas enfrenta sérios desafios ambientais e de desigualdade social. Neste sentido, Round 6 traça uma crítica precisa à crueldade e ao individualismo da sociedade pós-moderna.

A desigualdade na Coreia

De acordo com o site The Conversation, o envididamento das famílias na Coreia do Sul aumentou significativamente nos últimos anos e superou o valor do próprio PIB do país, que é o maior de toda a Ásia. O abismo social entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres aumentou 50% desde 2017 e chegou a 116 vezes.

O país enfrenta um crescente desemprego entre os jovens. Em agosto, o governo anunciou medidas para restringir empréstimos na tentativa de reduzir a dívida entre os mais jovens, sobretudo pessoas na faixa de 30 anos.