Dois homens, duas famílias e um sonho em comum: criar o maior banco do Hemisfério Sul. Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles conseguiram esse feito impressionante em 2008, ano marcado pela pior crise financeira internacional desde os anos 30 do século passado. Setubal, presidente do Itaú, e Moreira Salles, do Unibanco, protagonizaram a maior fusão bancária da história do País em novembro. À frente do novo Itaú Unibanco, novo líder absoluto do mercado ao sul do Equador, com ativos de R$ 575 bilhões, ambos passaram a escrever, juntos, a nova fase da saga empresarial das famílias Setubal- Villela e Moreira Salles, ícones do capitalismo brasileiro. E fizeram por merecer o prêmio Empreendedor do Ano 2008 da DINHEIRO.

Grandes empreendedores precisam ter competência, visão de futuro e sorte para prosperar. Setubal e Moreira Salles têm essas características de sobra, mas o que mais marcou suas atuações na megafusão foi o desprendimento. Eles deixaram de lado as vaidades e colocaram seus bancos à frente dos interesses pessoais, forjando uma aliança para compartilhar o poder de forma igualitária e consensual na nova organização. Poucos capitalistas e gestores de empresas têm essa maturidade. Se o franco entusiasmo de Moreira Salles, presidente do conselho de administração do novo Itaú Unibanco, e Setubal, presidente executivo, traduzir-se numa organização lucrativa e sustentável nos próximos anos, como se espera, esse casamento empresarial ainda vai dar muito o que falar. A meta, ousada, é ser um banco global em cinco anos, principalmente a partir de aquisições no Exterior. O futuro já começou.

As melhores escolas de negócios que se preparem: o case do ano tem muitos ensinamentos para as próximas gerações de empreendedores. De herdeiros, os dois passaram a administradores de sucesso e líderes de mercado, ampliando os negócios que receberam dos pais, os empreendedores e homens públicos Olavo Egydio Setubal e Walther Moreira Salles. Fizeram isso num ambiente hostil: o País passou por hiperinflação, inúmeros planos de estabilização e crises monetárias e bancárias, locais e globais, especialmente nos anos 80 e 90. Sempre com capital privado, Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles arregaçaram as mangas, acreditaram em suas empresas e, ao unirem forças para enfrentar o avanço do espanhol Santander no Brasil após a compra do Banco Real, criaram um gigante maior que o Banco do Brasil e o Bradesco, seus grandes concorrentes locais até então. Sem a mesa redonda e o consenso das famílias envolvidas em repartir o poder de voto em 50% para cada lado, apesar dos tamanhos desiguais (o Itaú tem o dobro do tamanho do Unibanco), tal vantagem competitiva não seria alcançada jamais. “É possível compartilhar para crescer”, ensina Setubal. “Cada um de nós teve de renunciar a alguma coisa em nome de um negócio maior”, acrescenta Moreira Salles.

O principal foco dos gestores do Itaú e do Unibanco, segundo eles mesmos, são as pessoas. Identificar talentos e bons líderes é essencial para obter sucesso

A sintonia entre os dois é total. DINHEIRO perguntou a ambos, em entrevistas separadas na semana passada, qual é a principal característica da filosofia administrativa de cada um. Eles apontaram a mesma coisa, sem pestanejar: foco na gestão das pessoas. Numa empresa de serviços, quem faz a diferença são os funcionários que nela trabalham. Para os vencedores do prêmio Empreendedor do Ano 2008, o principal mérito que têm como gestores é saber identificar, contratar e estimular os melhores profissionais do mercado que irão levar adiante suas estratégias e metas no dia-a-dia do banco. “As pessoas são um ponto essencial de uma boa gestão”, diz Setubal, um engenheiro de formação que preside o Itaú há dez anos. “Qualidade, competência e espírito de liderança são fundamentais.” O novo banco terá 108 mil funcionários, espalhados de norte a sul do País, além de presença em países da América Latina e da Europa.

Moreira Salles, formado em economia, trabalha no Unibanco há 20 anos, os últimos quatro como presidente executivo. Desde que assumiu o comando e trouxe o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan para presidir o conselho de administração, Moreira Salles praticamente dobrou a rentabilidade do banco, igualando-a à dos principais concorrentes. Ele usa um termo em inglês para definir o segredo de sua gestão. “No Unibanco, nossa cultura é muito people based”, diz. E o que é isso? “É identificar talentos, dar-lhes um sentido de participação, de propriedade dos destinos da empresa, e uma razoável autonomia na forma de tocar os seus negócios. É identificar cabeças de empresários, dar-lhes um projeto e incentivar a seleção de boas equipes”, afirma. Nesse processo, estabelecer metas e resultados é essencial, bem como avaliar e premiar os melhores desempenhos. Antes e depois da fusão com o Itaú, o maior desafio é focar na avaliação de talentos individuais e coletivos, que se propagam pela organização e garantem seu crescimento e sua perenidade. “Gente boa atrai gente boa”, insiste Moreira Salles. Nos últimos dez anos, ele foi pessoalmente recrutar talentos nas melhores universidades americanas, como Harvard, MIT, Stanford, Chicago e Yale.

Para enfrentar o avanço do espanhol Santander, que comprou o Real, os donos do Itaú e do Unibanco uniram forças e superaram todos os concorrentes

Moreira Salles recebeu a reportagem da DINHEIRO na sede do Unibanco, onde trabalha ao lado de Setubal às terças e quintas-feiras (às quartas e sextas, as reuniões são na sede do Itaú). Nesses encontros, eles comparam as estruturas e o modo de operar de cada área, do varejo ao atacado, dos investimentos aos seguros. Aos poucos, vão se conhecendo melhor e a suas respectivas organizações. Dessas reuniões sairá o perfil do novo banco, ainda com aprovação pendente dos órgãos reguladores. A cultura é muito parecida, bem como os valores de cada grupo. Setubal aprendeu com o pai, o empresário e ex-ministro das Relações Exteriores Olavo Setubal, falecido em agosto, duas lições que carrega para toda a vida. “A primeira é a ética nos negócios”, diz. “A segunda é colocar o interesse da empresa à frente dos interesses pessoais.”

Quatro semanas após a fusão, empresários de todo o País ainda ligam para Setubal para saber como abrir mão de controle para construir um negócio maior

Setubal identificou a mesma herança na casa dos Moreira Salles e convenceu o colega do Unibanco, em encontros secretos que mantiveram em São Paulo durante meses, que seria possível administrar o futuro negócio de forma consensual, sem os conflitos internos que marcam muitas organizações familiares mundo afora. Todas as grandes decisões terão de ser tomadas de comum acordo entre as famílias, como já é feito há décadas entre os herdeiros de Eudoro Villela, fundador do Banco Federal de Crédito, precursor do Itaú. “O Roberto me convenceu de que isso é possível”, diz Moreira Salles. Setubal conta que seu telefone tocou inúmeras vezes nas últimas quatro semanas, por conta de chamadas de empresários ávidos por saber como os dois conseguiram abrir mão de poder para montar um negócio maior que a soma das partes. Grandes empreendedores sempre são inspiradores. “Isso me deixou muito feliz. Espero que o exemplo inspire outras organizações”, diz ele.

Formalmente, o novo cargo de Moreira Salles é mais estratégico e o de Setubal, mais executivo. Na prática, como ambos são grandes acionistas, executivos experientes e bons estrategistas, o diálogo terá de imperar na condução do Itaú Unibanco. Moreira Salles pretende dedicar-se mais às questões que definem uma empresa: visão de futuro e gente. “Essa nova plataforma tem possibilidades inéditas para a gente”, diz. Setubal, um gestor de mão cheia, pretende continuar o que tem feito nos últimos anos: fazer do banco uma máquina de resultados, com ou sem crise. “Temos que acreditar no que estamos fazendo e transmitir isso ao nosso time”, insiste. O maior banco do País irá crescer em 2009 e nos anos seguintes, acreditam os dois Empreendedores do Ano. Que ninguém duvide.