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ão se ouviu voz dissonante na longa reunião da sexta-feira, 17 de novembro. Em silêncio, os membros do Conselho de Administração do Banco Itaú ouviram a explanação da equipe encarregada de avaliar a posição do segundo maior grupo financeiro privado do País no leilão de venda do Banespa, principal negócio do ano no setor. Em seguida, Roberto Setubal, presidente do Itaú, pediu a palavra. Ele estava sereno e, sem alterar a voz, como é de seu perfil, falou aos conselheiros. Em vez de preparar o avanço sobre a instituição paulista, que poderia levar a sua empresa ao topo do ranking privado nacional, o voraz comprador de bancos estatais ? já havia arrematado o Banerj, o Bemge e o Banestado ? recomendou um recuo.
 

?Foi uma decisão tranqüila, sem contestação?, conta Setubal. ?Os fatos foram mais contundentes que a emoção.? Habituados ao estilo racional do comandante do grupo, todos os presentes votaram pela não participação no leilão, fato que se mostrou tão surpreendente e decisivo quanto o lance de R$ 7,05 bilhões que fez do Santander o novo dono do Banespa. Não houve lamentações. Mais uma vez, entre ser o maior e tentar ser o melhor, Setubal escolheu a segunda opção. Encerra o ano com uma rara coleção de feitos e, por isso, foi escolhido por DINHEIRO o Empreendedor do Ano nas Finanças. Os balanços do banco repetem o bilionário lucro de 1999 e, em valor de mercado, o Itaú consolidou sua posição de líder em toda a América Latina.

Recuar faz parte da estratégia vitoriosa do Itaú, assim como a agressividade quando a direção do banco julga que o bote é imprescindível. Poucos meses antes da disputa pelo Banespa, Setubal já havia surpreendido seus concorrentes em outro leilão, o do Banco do Estado do Paraná (Banestado). Com uma oferta quase três vezes superior ao lance mínimo, ele arrematou a instituição, apontada como uma das mais problemáticas entre os antigos bancos públicos estaduais. A explicação para o comportamento aparentemente contraditório é, na verdade, bastante coerente: mais que o mastodôntico Banespa, encravado na área em que o Itaú tem maior presença, os pequenos bancos estaduais garantem uma expansão sólida e equilibrada ao negócio de Setubal. Ele já comprovou isso na prática. ?Boa parte dos nossos excelentes resultados no ano 2000 referem-se à consolidação das compras do Banerj e do Bemge, feitas nos anos anteriores?, afirma Setubal. ?As aquisições que fizemos nos tornaram líderes em três dos Estados mais importantes do País ? Rio de Janeiro, Minas Gerais e, agora, Paraná.?

Resultados mais do que liderança, é a palavra de ordem no Itaú. É o que Setubal exige de sua equipe e o que tem recebido em resposta. Os balanços do banco têm sido verdadeiras odes à gestão eficiente e, para usar uma palavra do gosto do presidente, racional. No ano passado, o lucro líqüido chegou a impressionante R$ 1,8 bilhão. Para quem dizia que ali havia uma generosa ajuda da desvalorização do real, ocorrida em janeiro de 1999, os balancetes trimestrais deste ano mostram que há consistência nos números estratosféricos. Os recordes têm-se sucedido. Nos primeiros nove meses de 2000, o Itaú lucrou R$ 1,262 bilhão. ?Estamos colhendo os frutos de uma série de mudanças em nossos processos, como os de concessão de créditos?, explica Setubal. O mercado de ações reconhece o acerto de sua administração. Embora perca para o Brasdesco no total de ativos, o Itaú já é o primeiro em valor de mercado na bolsa de valores (está cotado em R$ 20,9 bilhões, contra R$ 14,5 bilhões do rival). E aí não se trata apenas de uma disputa nacional. Nenhum banco da América Latina supera o dos Setubal nesse quesito.

Roberto corresponde, assim, à melhores expectativas do patriarca Olavo Setubal, que enxergou no filho talento para banqueiro e desde cedo o preparou para assumir o comando do Itaú. O atual presidente do banco freqüentou as melhores escolas de administração do mundo e tem no seu currículo até mesmo uma passagem como estagiário de luxo no Citibank ? ainda estudante, pôde acompanhar de perto o dia-a-dia do presidente do Citi, John Reed. Aluno aplicado, transformou-se em um executivo brilhante, que segue à risca o modelo americano de priorizar o patrimônio dos acionistas e recompensá-los pelo investimento no banco. ?Diferentemente do pai, que era industrial e acabou comandando um banco, Roberto foi forjado para ser banqueiro?, compara Luiz de Campos Salles, presidente da Itaú Seguros. ?Ambos sempre tiveram excelente visão do setor e do futuro do Itaú, mas o Roberto, em virtude de sua formação, possui algumas características bastante pessoais, como uma verdadeira obsessão pelo controle de custos?.

Há outros pontos a distinguir as duas gerações dos Setubal no comando do Itaú. Olavo, que permanece no Conselho de Administração, era mais intuitivo e expansivo no trato com sua equipe, além de se dividir entre o banco e os outros negócios do grupo. Roberto é incapaz de elevar a voz e não se importa em prolongar as reuniões com seus executivos até ter perfeito entendimento dos assuntos sobre os quais tem de tomar decisões. A ter de ler os extensos relatórios que lhe são enviados, prefere ouvi-los, de viva voz, de seus assessores mais diretos. E, sobretudo, dedica-se integralmente ao banco, mesmo quando dá tacadas em setores que não estão diretamente no foco de seus negócios.

Setubal pilotou este ano, por exemplo, um dos principais negócios da Internet brasileira. Em maio passado surpreendeu o mercado ao anunciar uma associação do Itaú com o maior provedor de acesso à rede do mundo, a americana AOL, e com o grupo venezuelano Cisneros. A união deu origem à AOL Latino Americana (Aola), empresa que tem como ambiciosa missão se tornar líder do setor em todo o continente. Para o banco, os resultados do negócio só devem começar a surgir em médio prazo, por meio da oferta de novos serviços aos 7,5 milhões de clientes ? cerca de 1 milhão já usuários do site da instituição. Uma parte deles, os de São Paulo, terá uma amostra das novidades a partir de janeiro de 2001, quando entrará em operação o Itaú-AOL, primeiro produto resultante da parceria. ?Estamos agregando tecnologia e valor à nossa empresa?, afirma Setubal.

Presidente da Federação Nacional dos Bancos (Febraban) nos últimos quatro anos, Setubal viu sua influência transcender às 2.466 agências e postos de serviço do Itaú. O período foi dos mais movimentados do setor, com crises financeiras globais, uma sucessão de escândalos em instituições locais e um verdadeiro avanço brasileiro sobre a banca nacional. ?Foram anos de transformação radical no sistema financeiro e que exigiram posições firmes da Febraban?, diz. Setubal chegou a defender, por exemplo, que fossem impostos limites à presença de bancos estrangeiros no País. Hoje, admite que agiu no calor dos acontecimentos e que a discussão não deve passar apenas pelo setor financeiro, mas pela economia brasileira como um todo. ?O Brasil precisa ter uma política ampla a respeito da entrada do capital internacional em suas empresas?, afirma.

Setubal, afinal, lidera um grupo de atuação multinacional. O Itaú já fincou bases na Argentina, Portugal e Luxemburgo e, embora tenha como foco principal a consolidação de sua posição no mercado brasileiro, deve continuar em busca de oportunidades em outros países da América Latina. O Empreendedor do Ano nas Finanças acredita que haverá uma grande concentração no setor e que, em pouco tempo, não existirão mais que três grandes bancos da região em condições de competir com as grandes potências européias e americanas. Se for assim, Setubal quer garantir que sejam o Itaú e mais dois.

Colaborou Lucia Kassai

?NÃO ESTAMOS PREOCUPADOS EM CRESCER A QUALQUER PREÇO?

DINHEIRO ? Como o sr. se sentiu ao decidir não participar do leilão do Banespa? Frustrado ou aliviado?
SETUBAL ?
Foi uma decisão muito tranqüila, baseada em números e fatos. Não ficou claro para nós de que teríamos um retorno compatível com o investimento necessário para comprar o Banespa. Por isso recomendei ao conselho que ficássemos de fora do leilão. A decisão foi unânime.

DINHEIRO ? Em nenhum momento pesou o fato de que o Itaú poderia se transformar no maior banco privado nacional?
SETUBAL ?
Os fatos foram mais contundentes que a emoção. O Itaú é reconhecido por ser bastante racional. Além disso, se não somos os maiores, já somos líderes, em toda a América Latina, em valor de mercado. Nossa preocupação não é crescer a qualquer preço, mas valorizar nosso patrimônio, oferecer retorno aos nossos acionistas.

DINHEIRO ? Depois de adquirir o Banerj, o Bemge e o Banestado, o banco vai desistir da estratégia de crescer comprando bancos estaduais em fase de privatização?
SETUBAL ?
As aquisições nos deram a liderança em três Estados importantes e demonstraram que nossa estratégia está correta. Vamos ficar atentos a outras privatizações. Se houver boas oportunidades, estamos dispostos a comprar.

DINHEIRO ? O Itaú é o banco brasileiro com maior presença na Argentina. Como a crise no país vizinho afeta os negócios do grupo?
SETUBAL ?
Nossa participação no mercado argentino ainda não é muito significativa. O foco do Itaú é a consolidação de sua posição no Brasil, embora tenhamos interesse em oportunidades de negócios em países vizinhos.

DINHEIRO ? No ano passado, o Itaú lucrou R$ 1,8 bilhão e o resultado foi atribuído, em grande parte, aos ganhos com a desvalorização cambial. Este ano, os números estão se repetindo. Qual a razão de um desempenho tão expressivo?
SETUBAL ?
Estamos colhendo os frutos da consolidação das compras do Bemge e do Banerj, depois de um severo programa de ajustes dos bancos à filosofia do Itaú. Além disso, os resultados refletem os avanços em processos como os de concessão de créditos, em que reduzimos as provisões e melhoramos a qualidade dos empréstimos.