Para levar adiante uma das investigações mais delicadas da história dos Estados Unidos, era necessário um homem discreto e metódico: Robert Mueller interpretou esse papel com perfeição, mas, a partir desta quarta-feira (24), deverá defender seu papel na cena política.

Durante quase dois anos, este ex-diretor do FBI (a Polícia Federal americana) investigou as suspeitas de conluio entre Moscou e a equipe de campanha de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016.

Indiferente às inquietações políticas e midiáticas, o procurador especial levou sua investigação adiante sem revelar os elementos que tinha à sua disposição, fazendo pesar uma ameaça silenciosa sobre a Casa Branca.

Em um documento de mais de 400 páginas, concluiu em março deste ano que não se encontrou evidência de conluio, mas detalhou uma série de pressões preocupantes sobre sua investigação por parte do presidente republicano.

Diante das especulações após a divulgação de seu informe, este homem de 74 anos rompeu seu silêncio em maio, pela primeira vez, entregando um testemunho à sua imagem e semelhança: preciso e objetivo.

Consciente do impacto de seus comentários, Mueller se negou a isentar Trump das suspeitas de obstrução de Justiça, deixando para o Congresso a responsabilidade de seguir o caso. Depois, preferiu se distanciar do tema, declarando que seu relatório fala “por si só”. A oposição democrata não entendeu assim.

Com maioria na Câmara de Representantes, o partido opositor convocou uma audiência pública para esta quarta-feira, com a esperança de obter declarações condenatórias sobre Trump.

Mueller afirma que vai se ater ao relatório. Apenas a seu relatório.

– Na sombra –

Nascido em agosto de 1944, Mueller é dois anos mais velho do que Trump. Assim como o presidente, é de uma família de boa situação do nordeste dos Estados Unidos e também frequentou instituições acadêmicas de prestígio. As semelhanças param por aqui.

A personalidade extravagante e onipresente na mídia do agora presidente contrasta com a calculada austeridade de Mueller.

Sempre vestido de terno escuro, Mueller não busca os holofotes. Em 2008, em um discurso para comemorar o aniversário do FBI, citou o tenista Arthur Ashe, para quem “o verdadeiro heroísmo é notavelmente sóbrio e muito pouco espetacular”.

Desde que foi nomeado para dirigir a investigação sobre a trama russa, em maio de 2017, sempre tomou cuidado para permanecer na sombra, enquanto coletava informações.

Nunca falou coma imprensa, permitindo que seu porta-voz emitisse apenas um lacônico “sem comentários”.

Sua bússola? A verdade, segundo ele.

“Um dia me disse: ‘Certifique-se bem de que o que você revela seja verdade'”, contou à revista “GQ” John Miller, um de seus ex-subordinados no FBI.

O presidente Trump sempre procurou não atacá-lo diretamente, embora tenha, em diferentes momentos, classificado a investigação como uma “caça às bruxas”. Também acusou o procurador de ser “parcial”, mas sem a virulência que costuma usar em seus tuítes.

– Respeitado –

Robert Mueller é um ex-oficial dos Marines e foi reconhecido por seu valor em combate durante a Guerra do Vietnã. Esta é outra diferença em relação a Trump, que se livrou da guerra por razões médicas. Depois, dedicou sua vida ao serviço público, enquanto Trump fazia fortuna no setor imobiliário.

Após os estudos em Direito, Mueller serviu como procurador, investigando com a mesma tenacidade o grupo Hells Angels, a máfia, ou os banqueiros desonestos.

Como número dois do Departamento da Justiça na presidência de George Bush pai, supervisionou a investigação pela explosão do avião da Boeing sobre a localidade escocesa de Lockerbie. O episódio deixou 270 mortos em 1988.

Foi nomeado diretor do FBI uma semana antes dos ataques de 11 de setembro de 2001 e permaneceu no cargo por 12 anos. Foi o mandato mais longo depois do recorde do fundador desta agência, Edgar Hoover.

Uma prova de sua independência foi que, em 2004, ameaçou renunciar se o presidente George W. Bush insistisse no polêmico programa de escutas extrajudiciais.

Quando seu mandato de dez anos estava perto do fim, o presidente democrata Barack Obama lhe pediu, em 2011, que permanecesse no comando do FBI. Outra prova do respeito unânime é que essa extensão foi aprovada por 100% dos senadores.