Lutar contra o aquecimento global, graças a tecnologias experimentais? A ISO, organização responsável pela elaboração de normas internacionais, empurraria as empresas nessa direção, correndo o risco de ameaçar os esforços para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa – revela um documento fornecido à AFP.

A Organização Internacional de Normalização (ISO), que inclui 160 Estados-membros, elabora normas internacionais para atender as necessidades das indústrias em uma infinidade de setores.

A ISO está trabalhando em uma nova norma para ajudar as empresas a medirem sua ação climática. O texto, que ainda é um rascunho, será discutido em uma reunião de trabalho em Berkeley, na Califórnia, para ver “se há um consenso”, disse um porta-voz organização, confirmando a existência do documento.

De acordo com esse documento, as empresas devem trabalhar para a “gestão do forçamento radioativo”, ou seja, o equilíbrio entre a radiação solar e as emissões de raios infravermelho que saem da atmosfera, para estabilizar o clima, mas sem evocar uma temperatura precisa.

– Imitar os vulcões –

O Acordo Climático de Paris de 2015 visa a limitar o aquecimento a +2°C em comparação com a era pré-industrial, ou mesmo +1,5°C. O texto ISO qualifica esses objetivos como “problemáticos” e evoca “forçadores climáticos”, como o CO2 e outros gases provocadores do efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global.

O documento também fala amplamente sobre “refrigerantes climáticos”, que inclui tecnologias de geoengenharia em larga escala para mudar o clima.

Trata especificamente do “gerenciamento da radiação solar”, que envolve a injeção de sulfato na estratosfera para refletir a energia solar e reduzir o impacto no planeta, imitando o fenômeno natural de uma erupção vulcânica.

Estudos mostraram que este método pode ser eficaz e relativamente barato para conter a alta das temperaturas. Mas há temores quanto às consequências inesperadas que tal manipulação da atmosfera da Terra poderia ter, levando a riscos potenciais em modelos climáticos e segurança alimentar.

“Há realmente um grande risco quando você considera algo experimental, controverso, politicamente volátil e moralmente arriscado como a geoengenharia e a torna assunto dos padrões da indústria”, alerta Carroll Muffet, da organização jurídica CIEL (Centre for International Environmental Law).

A adoção dos padrões ISO por uma empresa é considerada uma promessa de seriedade, observa Muffet.

Para atender às metas climáticas de Paris, especialistas da ONU reunidos no IPCC recomendam uma redução imediata e drástica no uso de combustíveis fósseis, visando a zero emissão líquida até 2050.

Em seu principal relatório publicado em outubro de 2018, o IPCC integra o “gerenciamento da radiação solar” a esses modelos climáticos. Se esta tecnologia pode ser “teoricamente eficaz”, existem, contudo, “grandes incertezas” e “riscos substanciais”, dizem os cientistas.

– Envolver os governos –

Organizações financiadas pelo setor do petróleo e gás têm pressionado por essa solução desde algum tempo, como é o caso do “think tank” American Enterprise Institute (AEI), que vem promovendo essa tecnologia há anos.

Essa gestão de radiação solar poderia ser implementada em grande escala, diz Jessica Strefler, do Instituto Potsdam para Pesquisa Climática (Alemanha), a um custo muito menor do que o necessário para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

“Os governos, empresas, regiões e cidades podem ser tentados a continuar com uma economia baseada nas emissões de combustíveis fósseis, porque há outra tecnologia que talvez nos forneça um escudo para resfriar o planeta”, adverte Janos Pasztor, da Carnegie Climate Governance Initiative e ex-vice-secretário-geral da ONU sobre mudanças climáticas.

O documento de trabalho da ISO incentiva as empresas a favorecerem uma abordagem “custo-efetiva” para gerenciar o aumento das temperaturas, o que gera temores de que isso possa encorajá-las a promover o “gerenciamento da radiação solar”.

No contexto das Conferências sobre o Clima (COP) da ONU, a questão da redução das emissões de gases causadores do efeito estufa é gerenciada em nível estatal, com obrigações para cada um.

A geoengenharia “não pode ser deixada para uma subcategoria de atores”, adverte Janos Pasztor, referindo-se a empresas que seriam tentadas a desenvolver seus próprios padrões. É preciso “o compromisso de diferentes governos”, continua ele.

“O processo da ISO é muito mais limitado e não seria justo, porque uma parte significativa dos impactos (das mudanças climáticas), bons ou ruins, afeta os países em desenvolvimento e vulneráveis, e eles não fazem parte do processo”, acrescenta.