Na semana passada, uma greve de caminhoneiros deixou o Brasil paralisado. Em 2017, atoleiros na BR-163 interromperam a passagem de caminhões de soja e afetaram o escoamento do segundo item brasileiro mais vendido ao exterior. Em 2013, filas de caminhões impossibilitados de descarregar tomaram o entorno do porto de Santos. Em 2010, o caos aéreo deixou passageiros na mão. Não faltam exemplos de como o País está atrasado nos investimentos em infraestrutura. Se os aportes se mantiverem no ritmo atual, não será possível alcançar o nível considerado pelos especialistas como minimamente razoável para a logística.

Os investimentos na área vêm caindo nas últimas décadas. De 2001 a 2016, representaram 2,03% do PIB. Atualmente, estão abaixo desse nível e são insuficientes até mesmo para se manter o que existe. As consultorias estimam que o atraso só seria compensado com uma elevação para próximo de 5% do PIB. Ainda assim, seriam necessários ao menos 12 anos para chegar ao mínimo adequado, segundo estimativa da consultoria Inter B. reunida no estudo Desafios da Nação, do Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A distância entre necessidade e volume investido revela o tamanho do déficit da infraestrutura. Em valores absolutos, o País deveria destinar um adicional superior a R$ 200 bilhões em projetos como portos e rodovias para poder recuperar as perdas. Só assim, poderia deixar para trás a 73a posição entre 137 países, no ranking global de infraestrutura feito pelo Fórum Econômico Mundial (leia quadro ao final da reportagem).

Isadora Cohen, subsecretária de parcerias público privadas: “Somente são escolhidos os projetos que têm potencial de economia para a população”

Os benefícios de mais investimentos na área se estendem para toda a economia. Segundo a consultoria KPMG, para cada dólar investido na infraestrutura brasileira, haveria um impacto 2,5 vezes maior no PIB. Isso porque as obras geram negócios e empregos na fase de construção, além de garantir um aumento de produtividade no futuro, por meio da redução de custos de transporte. O Plano Nacional de Logística do governo federal, por exemplo, estima uma redução de cerca de R$ 55 bilhões no custo de transporte com a construção de 12,6 mil quilômetros de ferrovias e rodovias até 2025. A meta é quasse dobrar a participação dos trens no transporte de cargas, o que ajudaria a reduzir as chances de episódios como a paralisação dos caminhoneiros que desabasteceu o País na semana passada (leia mais aqui). Hoje, as rodovias representam 65% das movimentações no Brasil.

Se os benefícios e a demanda são inequívocos, por que é tão difícil tirar os projetos do papel? Os investimentos públicos, que já eram baixos e mais lentos para se concretizar, estão ainda mais restritos em meio à crise das contas governamentais. Caberá à iniciativa privada um protagonismo maior. “O Brasil interessa muito ao investidor estrangeiro, pelo volume dos projetos que precisam ser feitos”, afirma Fernando Marcondes, sócio da área de infraestrutura do escritório L.O. Baptista. “Para que venham, porém, precisa de um ambiente seguro.”

Há muitos entraves pontuais, desde agências reguladoras frágeis até dificuldades com o licenciamento ambiental. “No Brasil, temos muito a cultura de governo”, afirma Maurício Endo, sócio-líder de Governo e Infraestrutura da KPMG. “Precisamos criar a cultura de planejamento, de curto, médio e longo prazo.” Em planos federais recentes, projetos acabaram não sendo leiloados e alguns dos que foram hoje estão sendo devolvidos. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado em 2016, buscou aprimorar a governança dos projetos ao centralizar a gestão. Reuniu os diversos órgãos da administração federal e avançou sobre temas como a necessidade de obtenção prévia do licenciamento ambiental.

A carteira soma 175 projetos, num total de R$ 143,6 bilhões em investimentos privados, dos quais 75 já foram leiloados. O esforço não se concentra apenas no governo federal. O Estado de São Paulo levantou R$ 3 bilhões com a concessão de rodovias e pretende leiloar mais uma linha de metrô e um lote de estradas no litoral. Segundo Isadora Cohen, subsecretária de Parcerias Público Privadas do Estado de São Paulo, mudanças como a permissão para terceirização de alguns serviços tornaram os contratos mais atrativos. “Somente são escolhidos os projetos que têm potencial de economia para a população”, diz.

Os esforços federais para melhorar o planejamento deram fruto ao Plano Nacional de Logística, em fase final de consulta. “Em mais dois anos, vamos entrar num fluxo de fazer projetos e avançar, em vez de fazer projeto a projeto”, diz Fabiano Pompermayer, diretor do Ipea. Para os investidores, o que mais importa é se as iniciativas serão suficientes para garantir uma previsibilidade nas regras.


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