DESDE QUE O MUNDO É MUNDO, O SER humano adora jogar. Milênios antes de Cristo, os egípcios acreditavam na sorte e desafiavam o destino jogando o astrágalo, um osso retirado do tornozelo de carneiros e veados. A expressão jogos de azar deriva de “al zahr”, palavra árabe para dados. A paixão pelas probabilidades seduziu matemáticos e economistas ao longo dos séculos, de Pascal a Adam Smith, intrigou pobres e ricos de todas as sociedades e desembocou nas teorias modernas de gestão de risco – palavra oriunda do italiano “risicare”, que significa ousar (*). Às vezes, a ousadia custa caro, como se vê na atual crise financeira nos Estados Unidos, berço dos perigosos derivativos de subprime (crédito imobiliário de alto risco). No Brasil, a atração pela roleta do mercado financeiro tomou conta até de executivos de companhias sérias. Somente a Sadia perdeu R$ 760 milhões com suas apostas erradas no valor do dólar americano (leia reportagem à pág. 42). Alguém, na ponta contrária da mesa, embolsou essa bolada. E você, sente atração por esse jogo de tudo ou nada?

Qualquer que seja a resposta, nenhum investidor pode simplesmente ignorar o que acontece no templo do risco, a BM&FBovespa. De um jeito ou de outro, o que acontece por lá acaba afetando a sua vida – nem que seja um aumento no preço da lingüiça por conta do prejuízo do fabricante. É na Bolsa de valores e de futuros que são negociados os principais ativos da economia: ações, juros, moedas, mercadorias e contratos financeiros indexados em taxas e índices. Os negócios podem ser à vista ou em prazos determinados no futuro. Existem contratos futuros, a termo, de opções e swaps (saiba mais no glossário da pág. 120). Se de um lado você pode minimizar perdas e assegurar ganhos com pouco desembolso financeiro, de outro você pode ter prejuízos ilimitados. Como tudo na economia é baseado na expectativa das pessoas, quem acerta mais, ganha mais. Mas como os cenários podem mudar de repente, quem se arrisca mais e erra, perde mais. Por isso, todo o cuidado é pouco. Os derivativos podem ser seu melhor amigo ou seu pior inimigo. No primeiro caso, eles o ajudam a melhorar a rentabilidade de sua carteira de investimentos. No segundo, eles o quebram. Da riqueza à pobreza, tudo depende de você.

Existem dois principais tipos de investidores no mercado de derivativos: os que buscam proteção, chamados de hedgers, e os especuladores. Empresas que exportam e recebem em dólares, por exemplo, podem fechar antes a taxa de câmbio no mercado futuro de dólar e garantir o lucro de suas operações. Se o dólar cair, elas não perdem. Se subir, deixam de ganhar. Os especuladores são os grandes investidores, fundos e bancos que apostam contra os hedgers para ganhar dinheiro com isso. Há também os financiadores e os arbitradores, que ganham em mercados diferentes. No meio deles, existem as pessoas físicas. Muitos dos 529 mil investidores individuais que entraram na Bolsa nos últimos quatro anos, durante o boom do mercado, transformaram-se em especuladores entusiasmados. Com pouco dinheiro, eles conseguiam montar grandes posições, num fenômeno típico dos derivativos, conhecido como alavancagem. Alguns até largaram o emprego para operar opções e termo de ações de Petrobras e Vale, em busca de ganhos estratosféricos. Mas o mercado virou e não faltam casos de quem estava na ponta errada e desperdiçou o patrimônio acumulado durante toda a vida. “Os prejuízos de quem especulou demais foram assombrosos. Quem alavancou, perdeu”, diz o consultor Mauricio “Bastter” Issa.

Depois de 25 anos de experiência nesse mercado, Issa tem um conselho a dar (e de graça): “Pessoas físicas não devem especular com opções. No longo prazo, todas perdem.” É radical, mas faz sentido num mercado perigoso em que até bancos e empresas bem informadas conseguem afundar. Poucos meses atrás, quem imaginaria que o dólar ia chegar perto de R$ 2 e o Ibovespa ia despencar para menos de 50 mil pontos? Isso não quer dizer que os investidores individuais não possam usar os derivativos de forma mais conservadora, construindo operações que aumentem o retorno de sua carteira ao longo do tempo. Há estratégias de ganho certo, chova ou faça sol, mas é preciso estudar muito para aprendê-las. Foi o que fez o investidor carioca Hugo Azevedo. Depois de perder toda a sua economia em uma desastrada operação no mercado futuro de café, dez anos atrás, ele resolveu destrinchar o mercado de derivativos e até fez um mestrado na área. Chegou a trabalhar em banco, virou consultor e escreveu dois livros sobre finanças. “Derivativos exigem disciplina de aprendizado. O investidor não precisa quebrar para aprender a investir. Ele pode estudar antes”, diz Azevedo.

O maior desafio dos derivativos é controlar o ímpeto por tomar riscos, que surge quando os mercados estão em alta. Pesquisas de comportamento financeiro detectaram que as pessoas são conservadoras para ganhar dinheiro e ousadas para perdê-lo. No mercado financeiro moderno, valem os mesmos impulsos que levaram os holandeses a especular com opções de tulipas, em 1630. Quem comanda os incautos? “É a vaidade arrogante da maioria dos homens quanto às próprias habilidades e a absurda presunção na própria boa sorte”, disse Adam Smith, muito tempo depois.

Um estímulo adicional é o baixo custo para se operar uma opção. Quem adquire o direito de comprar uma ação no futuro, em prazo determinado, paga pouco. A série da Petrobras para vencimento em 20 de outubro com preço de R$ 38 por ação, por exemplo, tinha um prêmio de R$ 1,20 na quarta-feira 1o. Se a ação estiver abaixo de R$ 38 no vencimento, o comprador não exerce o direito e perde R$ 1,20. E se estiver a R$ 40? Ele exerce a opção, paga R$ 38 e vende a R$ 40, embolsando R$ 2. Descontando-se o prêmio, o lucro é de R$ 0,80 por ação. O problema é de quem vende a opção. Para essa pessoa, o lucro é certo se a ação não subir, mas o prejuízo pode ser ilimitado se a tendência virar e o papel disparar. O vendedor não precisa de dinheiro vivo e ainda recebe algum. “Como não tem caixa envolvido, a pessoa fica tentada a tomar mais risco do que deve”, alerta José Monteiro Varanda Neto, superintendente de Riscos do Banco Fator. Com o tempo, o risco é operar a descoberto, ou seja, sem ter o papel em carteira. Na hipótese acima, o vendedor terá de comprar a R$ 50, por exemplo, algo que será entregue por R$ 38. Multiplique a diferença por alguns milhares de ações e lá se foi a casa herdada da vovó. Por isso, nunca se deve operar a descoberto. Senão, o azar é todo seu