O depoimento dos irmãos Miranda lançou ainda mais desconfiança em relação à atuação do governo federal na pandemia causada pelo novo coronavírus. Eles afirmaram, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 nesta sexta-feira (25), que avisaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. O deputado federal e líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), também foi citado.

O deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF) compareceu à CPI, trajando um colete à prova de balas e escoltado pela Polícia Federal, junto com o irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde. “Eu levei (a denúncia de irregularidade no contrato com a Covaxin) para a pessoa certa, que deveria dar o devido provimento ao assunto, que é o presidente da República”, declarou o parlamentar. Bolsonaro teria dito que acionaria a Polícia Federal, o que não ocorreu.

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Além das suspeitas de irregularidades no contrato, os irmãos também relataram que Luis Ricardo teria sido alvo de intensa pressão para prosseguir com a compra da vacina. Um dos responsáveis seria o coronel Marcelo Bento Pires, então coordenador de logística do Ministério da Saúde.

“Nunca recebi ligação de ninguém. Já nesse (contrato de compra da Covaxin), meu amigo, o que tem de gente em cima pressionando e falando, aí você já fica com o pé atrás”, disse Luis Ricardo em mensagem ao irmão divulgada na CPI. Vários fatores levantaram suspeita dos irmãos quanto a irregularidades no contrato. São eles:

 Repasse a uma offshore

A Madison, braço da fabricante da Covaxin, Bharat Biotech, em Singapura, local sem tributação, e cujo nome não constava do contrato, receberia R$ 221,4 milhões do governo. Integrantes da CPI suspeitam de se tratar de uma offshore.

 Custo da importação

A Covaxin é mais cara (valor de R$ 80,70/dose, contra R$ 50 da ignorada Pfizer), além de ter menor eficácia (77,8% contra 95%) e tecnologia mais antiga (vírus inativado x DNA)

Proposta da importadora

Como admitido pela Precisa Medicamentos, importadora brasileira que intermediaria a importação da vacina, foram enviados três invoices (propostas) ao Ministério da Saúde, o que coincide com o testemunho de Luis Ricardo Miranda.

O primeiro conteria 300 mil unidades por R$ 221,4 milhões e pagamento antecipado, enviado em 18 de março. Na segunda seriam 3 milhões de unidades e pagamento antecipado, em 19 de março. A terceira proposta seria igual à segunda, mas sem necessidade de pagamento antecipado.

Os irmãos Miranda encontraram-se com o presidente Bolsonaro em 20 de março. Em 23 de março, o Ministério da Saúde pediu a importação. O contrato para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin fora firmado em 25 de fevereiro, com a aprovação da vacina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda pendente e sem os resultados clínicos da fase 3 concluídos, o que, segundo a Bharat Biotech, ocorreu apenas nesta semana.

Ricardo Barros

Depois de horas sendo pressionado por senadores da CPI, sobretudo os governistas que tumultuaram o início da sessão, o deputado Luis Miranda admitiu que o parlamentar citado pelo presidente Jair Bolsonaro como supostamente envolvido na negociação da compra da Covaxin era Ricardo Barros. O ex-ministro da Saúde de Michel Temer, Barros defendeu-se em rede social.

Troca de mensagens suspeitas

Uma troca de mensagens entre os irmãos contava que um colega de Luis Ricardo na Saúde dizia que “um rapaz” estaria cobrando propina na venda de vacina. “O ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que estava cobrando propina”, escreveu Luis Ricardo ao irmão. A CPI deve convocar o servidor mencionado.

Confusão

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), interrompeu o testemunho de Luis Ricardo e, visivelmente nervoso em foto que circula nas redes sociais, discutiu com o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O senador Flávio Bolsonaro também acusou a mesa da CPI de ser parcial contra o governo e criticou as quebras de sigilo bancário solicitadas pela comissão. O senador Marcos Rogério (DEM-RO), por sua vez, questionou a motivação dos depoentes e foi alvo de chacota de parte de seus colegas senadores.

Wassef no banheiro feminino

O advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, que abrigou Fabrício Queiroz em seu sítio em Atibaia alegando “pena pela condição de saúde”, tentou entrar na sala de reuniões da CPI sem máscara. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pediu à polícia legislativa que retirasse o advogado. Wassef criticou o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e reclamou da quebra de seu sigilo bancário. Para fugir de repórteres que o abordaram, Wassef trancou-se no banheiro feminino durante uma ligação de telefone.