Um dos ícones do mundo fashion, a estilista francesa Coco Chanel dizia que moda é aquela que chega às ruas e que é muito mais uma questão de estilo. Ela sempre teve razão. Para os 800 mil funcionários que atuam no setor de vestuário no Brasil, o importante é a luta para que esteja na moda a manutenção de postos de trabalho, em risco com o crescimento de casos de Covid-19 e o fechamento de portas das redes do setor. Sem clientes passeando entre roupas, manequins e frequentando provadores, o segmento viu o faturamento desabar.

Na contramão do cenário mais pessimista, a Riachuelo, com 323 lojas no País fechadas há pelo menos cinco semanas, decidiu bancar a manutenção dos 40 mil colaboradores e ainda manter o trabalho para 4,5 mil costureiras, na confecção de máscaras, que atuam no sertão do Rio Grande do Norte, em parceria com o governo estadual. Suas duas fábricas – também fechadas – estão em Natal e Fortaleza. O CEO da companhia, Oswaldo Nunes, diz que mais de 90% dos seus funcionários estão em casa. “Aderimos à suspensão do contrato de trabalho por dois meses para o contingente que recebe até R$ 3 mil, com 30% do salário pago pela empresa e 70% (do teto do seguro-desemprego) pelo governo federal”, diz. “Para os demais, adotamos redução de jornada e de salário em até 25%.”

Além da manutenção do quadro, a Riachuelo decidiu doar cerca de 1 milhão de peças, o equivalente a R$ 15 milhões, sendo 710 mil itens hospitalares, como máscaras, jalecos e aventais, e 280 mil roupas que serão entregues a mulheres da área da saúde que estão na linha de frente de combate ao coronavírus no Brasil. Também doou 45 toneladas de tecidos – já cortados – para a confecção das máscaras pelas costureiras do Rio Grande do Norte. “Isso ajuda a manter a economia de várias comunidades carentes daquela região”, diz o presidente da Riachuelo.

No ano passado, a empresa obteve receita líquida de R$ 7,8 bilhões (alta de 8,6% em relação a 2018), com lucro líquido de R$ 526,5 milhões (acréscimo de 5,7%). O grupo Guararapes, controlador da Riachuelo, investiu na rede R$ 351,1 milhões, dos quais R$ 68,9 milhões em novas lojas, R$ 29,3 milhões em remodelações e R$ 168,9 milhões em TI, que na prática significa garantir mais condições para compras de produtos por meio virtual. E é justamente no on-line que a empresa tem mantido o foco nesse delicado período de isolamento social.

Consciência “O momento é de resiliência e empatia”, diz o CEO da Riachuelo, Oswaldo Nunes. A empresa está investindo na produção de máscaras e apoiando instituições de saúde, como o Hospital das Clínicas de São Paulo. (Crédito:Divulgação)

FORÇA DIGITAL Se fosse a 324ª unidade física, a loja on-line da Riachuelo seria a primeira em faturamento (a empresa não revela os números). Em abril, o volume de vendas pela internet registraram crescimento de 174% em relação ao mesmo período do ano passado. “Esses canais vêm num ritmo de crescimento bem maior do que antes da crise. As mudanças no comportamento do consumidor estão se acelerando”, afirma Nunes. “A partir de agora, teremos um cliente mais digital. E investir nessa transformação é cada vez mais necessário”, observa o CEO da companhia.

O diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), Edmundo Lima, diz que, mesmo com o crescimento do on-line, o segmento como um todo ainda está longe de se recuperar das perdas provocadas pelo fechamento das lojas físicas. “A partir da terceira semana, o consumidor começou a se acostumar mais com a quarentena e com a procura de produtos pela internet. Também houve melhora nas condições de entrega e da malha logística, mas o índice não representa nem 10% do que o setor poderia faturar nesse período”, afirma.

A pedido da DINHEIRO, o Iemi Inteligência de Mercado fez uma análise do setor e da perspectiva pós-pandemia. Segundo o estudo, o varejo de moda deve perder 9% no faturamento deste ano e registrar queda de 13% na produção. Uma das ideias é criar uma data de apelo comercial. Serviria para aquecer as vendas e minimizar em parte o impacto negativo de vendas no Dia das Mães, que será celebrado durante a quarentena e é a segunda melhor data do varejo de moda, atrás do Natal. Para isso, seria comemorado em julho algo como o Dia do Reencontro, com a possibilidade de um cenário em que a propagação da doença esteja relativamente controlada. “Seria a oportunidade de presentear a mãe, o pai e avós que ficaram distantes durante a crise”, diz Lima, da Abvtex.

Até lá, ainda há a preocupação sobre o momento ideal para a reabertura, sem causar crescimento de casos, como ocorreu recentemente com a cidade de Blumenau, em Santa Catarina, que viu o número de contaminados subir 173% poucos dias após a reabertura de um shopping. Para o CEO da Riachuelo, “o momento é de responsabilidade, resiliência e empatia”. Sentimento que traduz o que pregava Yves Saint Laurent. “Sem elegância no coração, não há nenhuma elegância.”