Usar a tecnologia para tudo. Tudo mesmo. Essa é a rotina do americano Salman Khan, de 44 anos, criador de um sistema que vem mudando o formato de ensino no mundo. Na conversa com a DINHEIRO, Sal, como é conhecido, concedeu a entrevista pelo celular, enquanto caminhava por Mountain View, na Califórnia, cidade sede do Google, no Vale do Silício. “Li um estudo que diz que quando você anda e vê outras coisas, seu humor melhora”, disse. “Acho que todos deveriam fazer isso.” Com graduação em tecnologia, Sal trabalhava como especialista de investimentos antes de chegar ao seu grande negócio. Depois de ajudar a prima Nádia com aulas de matemática a distância, ele percebeu uma grande demanda por um ensino mais descontraído e personalizado. Requisitado, o americano expandiu a turma de alunos para outros primos e amigos de primos, até que decidiu largar o emprego para focar em um novo caminho: a criação de uma plataforma de ensino totalmente gratuita, com base em um sistema de tecnologia capaz de identificar as lacunas de aprendizado individuais dos alunos. Assim surgiu a Khan Academy.

Em atividade há 16 anos, e há nove no Brasil, a plataforma é uma das maiores sem fins lucrativos do mundo. Entre os principais patrocinadores, estão Google, Oracle, Bank of America, além dos bilionários Bill Gates e do brasileiro Jorge Paulo Lemann, por meio das fundações que levam seus nomes. Durante a pandemia, o também bilionário Elon Musk, fundador da Space X e CEO da Tesla, fez uma doação de US$ 5 milhões para ajudar no desenvolvimento do portal. Mais do que dinheiro, a doação mostra confiança do empresário na proposta de ensino. “Ele não se envolve em algo sem achar que pode mudar o mundo”, afirmou o criador do modelo educacional. “É um grande sinal para o nosso trabalho.”

A quantia será destinada à ampliação de conteúdos dentro da plataforma, que está disponível para 190 países em 50 idiomas, e possui 123 milhões de usuários no mundo, divididos entre alunos, professores e tutores, pessoas que não possuem formação acadêmica, mas que dominam algum assunto específico. Com aulas que vão de matemática e ciências a desenho gráfico (em parcerias com Disney e Pixar), a Khan Academy trabalha com um sistema de tecnologia desenvolvido por Sal capaz de detalhar o rendimento específico de cada aluno em todas as atividades realizadas.

Para o criador da ferramenta, esse é um trabalho importante para o rompimento das lacunas de aprendizagem, que, somadas, interferem no desenvolvimento. “Pelo sistema, o aluno aprende no seu ritmo e o professor consegue identificar onde há dificuldade.” O conteúdo disponibilizado é voltado para alunos de 2 a 18 anos. Ainda que receba doações, o programa gera mais custos do que arrecada. Em 2019, a Khan Academy registrou receita de US$ 48 milhões, contra despesas de US$ 55,7 milhões.

APOSTA NO SISTEMA Dono da Tesla e SpaceX, o bilionário Elon Musk doou US$ 5 milhões no início do ano para o aprimoramento e expansão de conteúdos da Khan Academy. Para o criador da plataforma, Sal Khan, a doação demonstra confiança na organização. (Crédito:YASIN OZTURK)

DESAFIO Os desafios miram equilibrar a receita, porque a relevância já foi alcançada. De março a julho do ano passado, a plataforma de ensino registrou aumento de 300% no número de acessos globais, reflexo do fechamento das escolas a partir da pandemia. O Brasil, que segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) manteve as escolas fechadas por 40 semanas – a média global foi de 22 semanas – enfrenta um problema ainda mais grave: o acesso à tecnologia. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado este mês mostra que os estudantes sem acesso à internet somavam 4,3 milhões em 2019. Desse total, 96% pertencem à rede pública de ensino. “Nos Estados Unidos, cerca de 10% a 15% dos alunos simplesmente desapareceram durante a pandemia. Esses números são de 20% a 30% no Brasil”, disse Sal.

No País, terceiro lugar em número de acessos, atrás de Estados Unidos e México, são 4,5 milhões de alunos, 315 mil professores e parceria com 32 secretarias de educação municipais e estaduais. Os conteúdos de matemática, ciências e português são disponibilizados seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino fundamental. Para Simone Soares, gerente de formação de professores e coordenadora do uso da Khan Academy em todas as 56 escolas em Osasco (SP), é nítido o avanço no desempenho escolar. “O trabalho, em conjunto com os professores, trouxe resultados positivos no Ideb 2017 (nota 6,1) e 2019 (6,3).”

Para o fundador da plataforma, parte da solução dos problemas na educação do Brasil está na conscientização de que investir no setor é um caminho com grande retorno. “Podemos aumentar nosso impacto sem gastar um centavo, apenas construindo a consciência”, afirmou. “Nosso ideal é que o aluno tenha um bom professor e mais tempo produtivo.” Uma boa lição.