A Justiça de São Paulo suspendeu temporariamente o processo de revisão da Lei de Zoneamento da capital, realizado pela gestão Bruno Covas (PSDB). A ação foi aberta pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e outras quatro entidades, que contestam a transparência e participação popular nas audiências públicas realizadas neste ano, além de outros pontos.

A Prefeitura diz manter “diálogo com a sociedade” desde o início da revisão, em 2017.

A liminar foi concedida na quinta-feira, 19, pelo juiz José Eduardo Cordeiro Rocha, da 14ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), e prevê a paralisação da revisão da lei até o julgamento da ação. Na decisão, ele cita trechos do Plano Diretor para ressaltar a exigência de “ampla divulgação” das audiências públicas e de estudos técnicos sobre o tema para garantir “participação democrática de qualidade”.

“Embora a situação mereça análise mais aprofundada, o que somente será possível após manifestação da parte contrária (a Prefeitura), o prosseguimento da tramitação do processo de alteração da lei de zoneamento seria temerário, diante do risco que adviria de eventual reconhecimento a posteriori de vício formal, o que acarretaria a nulidade dos atos praticados”, apontou o juiz.

O processo de revisão do zoneamento foi iniciado em 2017, quando o hoje governador João Doria (PSDB) era prefeito, e entrou na última fase de discussão neste ano. O objetivo da gestão municipal era enviar a redação final do projeto de lei para a Câmara Municipal ainda em 2019. Dentre as mudanças previstas, estão a permissão para a construção de prédios mais altos no miolo de bairros.

O IAB, a União dos Movimentos de Moradia, o Movimento Defenda São Paulo, o CicloCidade e o Instituto Pólis alegam que a revisão do zoneamento (também chamado de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo) ocorre “sem a transparência e participação social determinadas pela legislação urbanística vigente e com mudanças que deturpam o sentido de lei que foi fruto de um intenso processo de discussão pública”.

As entidades também dizem que há “deficiência na convocação”, que teria deixado de “comunicar de forma verdadeira” o que seria discutido nas audiências. Segundo elas, as quatro audiências somaram 300 participantes, dos quais 70 seriam servidores públicos. “Não houve, em momento algum, a divulgação de estudos ou diagnósticos com informações técnicas que tornassem possível a compreensão da sociedade acerca dos impactos que serão observados com as alterações pretendidas pela Prefeitura.”

As entidades alegam, ainda, ter um estudo apontando que a mudança irá acarretar “alterações substanciais no conteúdo do próprio Plano Diretor Estratégico, no enfraquecimento das diretrizes relativas à sobrecargas no miolo de bairros; desestímulo à mobilidade urbana sustentável; redução da eficácia da quota ambiental; e redução da destinação de áreas públicas em grandes empreendimentos, dentre outros”.

Diálogo com a sociedade

O secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando Chucre, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que a gestão municipal está “muito tranquila” e que o “processo de participação popular ocorreu de maneira adequada”. “Nossa opinião é que a Prefeitura teve muito equilíbrio e ouviu a sociedade civil no processo participativo e conseguiu equilibrar as demandas, no sentido de não fazer nada que fosse contrário aos princípios do Plano Diretor.”

Ele atribuiu o menor número de participações nas audiências públicas deste ano – em relação a 2017 – em decorrência da retirada dos pontos mais polêmicos da revisão inicialmente proposta, a qual teria atraído maior atenção de movimentos por moradia e de mobilidade, além de associações de moradores.

Chucre comentou, ainda, que houve uma pausa no processo de revisão no início deste ano quando ele assumiu como secretário de Desenvolvimento Urbano – deixando o mesmo carga na pasta de Habitação. “Fiquei os primeiros meses analisando as mais de 2 mil propostas da sociedade civil, o que foi consolidado na segunda minuta. Na segunda minuta, foram tirados os pontos mais polêmicos, o que gerou menos envolvimento da população.”

Ele apontou, também, que o aumento de 48 metros para 60 metros como limite de altura para construir nos miolos de bairro – previsto na revisão – não vai gerar aumento populacional.

“O coeficiente de aproveitamento foi mantido. Onde hoje pode ter um edifício de 20 apartamentos, se a mudança for alterada e aprovada na Câmara – e vai ter audiências públicas na Câmara também -, continua podendo construir 20 unidades só que, em vez de 48 metros, o prédio poderá ter 60 metros. É um acréscimo de 12 metros de gabarito.”

Revisão afeta ‘centrinhos’ e miolos de bairro

O aumento de 48 metros para 60 metros no limite de altura se refere às Zonas de Centralidade (ZC), que são os “centrinhos” dos bairros, com predominância de comércio e serviços e cujo objetivo do zoneamento é aumentar a oferta não residencial.

A revisão prevê, ainda, a mudança de altura máxima de 28 metros para 48 metros nas Zonas Mistas (ZM), regiões que têm predominância de uso residencial, com a presença também de comércio e serviços, e cujo objetivo original do zoneamento é preservar o desenho da região – o que inclui a adaptação dos usos (isto é, um sobrado residencial virar um comércio, por exemplo).

As ZMs e as ZCs correspondem a cerca de 15% da área da cidade e ocupam grande parte dos chamados remansos – ou miolo dos bairros. Um exemplo de ZC é a quase a totalidade da Avenida Pompeia, na zona oeste, enquanto os imóveis do entorno (a uma quadra ou mais de distância) são majoritariamente parte da ZM (no perímetro entre as Ruas Heitor Penteado e Desembargador do Vale).