Uma proposta de reformulação da Política de Saúde Mental provocou revolta e uma onda de manifestações de entidades ligadas ao movimento antimanicomial. Os críticos garantem que a nova fórmula apresentada é uma maneira de se injetar recursos no atendimento hospitalar, deixando em segundo plano o modelo de atendimento hoje existente, baseado em uma rede e no atendimento ambulatorial e multidisciplinar.

“Basta ver os termos usados. Esse é um modelo para atender um segmento da psiquiatria e o retorno do modelo hospitalar, da indústria da loucura”, afirmou o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Paulo Amarante.

Uma minuta da portaria foi redigida pelo Ministério da Saúde, está em processo de debate nos Conselhos Nacionais de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (Conasems e Conass) e deve ser votada ainda nesta semana.

“Ela vai na contramão da lei antimanicomial. O modelo, além de injetar mais recursos nos hospitais, inibe a abertura de CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) ou em residências terapêuticas”, assegurou o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na Baixada Santista Roberto Tykanori.

Pelo modelo sugerido, no caso de uma pessoa ser transferida de um hospital psiquiátrico para atendimento em rede, a vaga não será mais fechada. Ela passa a ser ocupada por outro paciente. Ele afirma ainda que para o sistema hospitalar seriam encaminhados R$ 150 milhões. Outros R$ 250 milhões para residências terapêuticas.

“Se não há recurso novo, claramente a verba será retirada de algum lugar. Dos centros”, completou.

Amarante observa ainda que não há estudos que mostram a eficácia nos trabalhos realizados nas comunidades terapêuticas, boa parte delas ligadas a movimentos religiosos. “A medida tem como objetivo agradar uma parte dos parlamentares”, avaliou o pesquisador da Fiocruz.

Secretários estaduais e municipais questionados pelo Estado afirmaram que o texto ainda pode ser alterado até a votação, marcada para a próxima quinta-feira, 14. As queixas e a apreensão apresentada pelos movimentos são registradas três meses depois de uma reunião entre secretários estaduais, municipais de Saúde e o Ministério da Saúde onde foi sugerida a discussão da expansão de leitos em hospitais psiquiátricos no Brasil, em contraposição à prioridade atual, que é do atendimento ambulatorial.

Na época, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, não quis se manifestar sobre a proposta de expansão. Afirmou apenas que as taxas de ocupação de leitos para saúde mental em hospitais gerais é muito pequena, de 15%. Apesar da baixa ocupação, a minuta proposta prevê a possibilidade da expansão das alas psiquiátricas para até 60 leitos.

O incentivo que era dado para manutenção apenas de hospitais psiquiátricos de pequeno porte também seria revisto. Pela proposta, o pagamento é único, independentemente do tamanho do hospital.

“Seria um retrocesso enorme”, afirmou Pedro Henrique Marinho Carneiro, que atuou na coordenação de saúde mental do ministério. “São vários os relatos de histórias de violação de direitos humanos em hospitais psiquiátricos. Não é possível defender a retomada desse modelo.”

Questionado, o Ministério da Saúde informou que a revisão da Política Nacional de Saúde Mental vai valorizar o planejamento adequado da rede de atenção aos pacientes. De acordo com a pasta, uma revisão será feita para a internação, “com prioridade para os casos agudos e mais críticos”.

O ministério afirmou ter recebido apoio de várias entidades, como Conselho Federal de Medicina e Associação Brasileira de Psiquiatria.