Já passava da meia-noite, na quarta-feira 28, quando Roberto Lima, presidente da Vivo, recebeu uma mensagem de texto no celular. O remetente era Zeinal Bava, presidente da Portugal Telecom. 

 

Curta, ela comunicava que a disputa societária entre espanhóis e portugueses pelo controle da maior empresa de telefonia móvel do Brasil estava encerrada. A Telefônica assumia o controle da Vivo por 7,5 bilhões euros. E a Portugal Telecom comprava 22,4% da Oi por 3,75 bilhões de euros. 

 

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Os dois negócios somam 11,25 bilhões de euros, mais de R$ 25 bilhões, o que significa R$ 3 bilhões a mais do que o governo federal arrecadou com a privatização da Telebrás há quase exatos 12 anos, em 29 de julho de 1998 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. 

 

Na ocasião, foram vendidos o controle de três holdings de telefonia fixa, uma de longa distância (Embratel) e oito de telefonia celular. Em apenas uma troca de ações entre Telefônica, Portugal Telecom e Oi movimentou-se muito mais do que a privatização de todas as operações de telefonia da época.

 

O tempo provocou profundas mudanças no setor de telefonia. Do emaranhado de companhias criadas a partir de 1998, que previa empresas-espelho para concorrer com as teles privatizadas, sobraram apenas três grandes grupos que devem atuar a partir de agora como os protagonistas no mercado brasileiro. Eles terão capacidade de investimento, escala superior aos demais concorrentes e abrangência nacional.

 

Os espanhóis da Telefônica se transformaram na maior  operadora de telecomunicações do Brasil com a compra da Vivo. A Dedic, empresa de call center da Portugal Telecom, também entrou no negócio, mas seu valor ainda precisa ser definido. Em agosto, um banco de investimento será contratado para fazer a avaliação da companhia, que tem 22 mil funcionários e fatura     R$ 600 milhões no Brasil. A Telefônica já atua nesta área com a Atento, que fatura 1,3 bilhão de euros mundialmente. 

 

Com a compra da Vivo, a Telefônica passa a ter mais musculatura, com uma receita líquida de R$ 32 bilhões em 2009 e mais de 70 milhões de clientes. Os mexicanos da América Móvil, que são donos da Claro, da Embratel e tem participação na Net, preparam-se para unir suas operações. 

 

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E a supertele brasileira Oi – que tem como seu principal acionista individual a Portugal Telecom – ganha fôlego para retomar os investimentos e reduzir sua dívida líquida de R$ 20,9 bilhões com o dinheiro que vai entrar do novo parceiro além-mar. 

 

Em comum, as três operações são capazes de oferecer serviços de telefonia fixa, celular, banda larga e tevê por assinatura de forma integrada. “O nosso objetivo é atuar no mundo convergente”, afirmou à DINHEIRO o presidente da Telefônica no Brasil, Antônio Carlos Valente, logo após o fim das negociações de mais de dois meses com a Portugal Telecom. “Vamos ampliar a cobertura e a gama de serviços.” 

 

Sem uma presença nacional, a compra da Vivo é um passaporte para que a Telefônica rompa as fronteiras do Estado de São Paulo, onde tem uma concessão de telefonia fixa. A companhia espanhola herda da Vivo uma estrutura de 11 mil pontos de venda e 500 mil de recarga de celular espalhados pelo Brasil. 

 

“Temos uma equipe comercial agressiva”, declarou à DINHEIRO o presidente da Vivo, Roberto Lima, após uma longa reunião de diretoria um dia depois da venda da companhia que dirige no Brasil. Na sexta-feira 30, ele se encontrou com Luis Miguel Gil Perez, da Telefônica Internacional, e com  José María Álvarez Pallete López, da Telefônica Latinoamérica. 

 

Na agenda, os primeiros passos da integração. “Esse momento não é ponto de chegada. É o ponto de partida”, afirmou Lima. Indicado pelos portugueses da Portugal Telecom para assumir a Vivo em 2005, Lima sabe que terá muito trabalho daqui para a frente sob o comando exclusivamente dos espanhóis. 

 

A entrada de seu ex-patrão no bloco de controle da Oi indica que a supertele brasileira terá mais capital para investir, aumentando a competição. A companhia arquitetada em 2008 com o apoio do governo federal é cercada de polêmica. 

 

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Criada com um discurso nacionalista, ela tem agora um sócio estrangeiro como principal acionista individual da operação. Mas isso só foi possível graças a acordo que mantém a gestão nas mãos dos sócios brasileiros, a Fundação Atlântico, dos funcionários da Oi, a AG Telecom, de Sérgio Andrade, o grupo LaFonte, de Carlos Jeiressati. “A Oi continuará sendo brasileira da Silva”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ser questionado sobre o tema. 

 

Apesar de o governo negar, o negócio entre a Oi e a PT teve o aval de Lula. A solução atual para a entrada dos portugueses na telefonia brasileira foi dada pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho. A proposta foi apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes da viagem que ele fez à Espanha e a Portugal, na terceira semana de maio.  

 

O tema foi discutido em Lisboa, no dia 19 de maio. O primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, recorreu ao presidente Lula para resistir ao assédio da Telefônica para comprar a Vivo. 

 

Lula pediu que o governo português procurasse Luciano Coutinho.  Mas foi só no dia 13 de julho que as negociações avançaram. Zeinal Bava, presidente  da Portugal Telecom, ligou para Otávio Andrade, presidente da Andrade Gutierrez. “A partir daí, elas entraram em um ritmo alucinante”, diz 

 

uma fonte que participou das conversas entre portugueses e os acionistas da Oi. “Trabalhava-se dia e noite, inclusive nos finais de semana.” A principal resistência ao negócio era de Carlos Jeirissati, do grupo LaFonte. 

 

Em apenas 15 dias, chegaram a um acordo. “Não queríamos vender, mas temos de ser realistas: não havia mais condições de manter a parceria com a Telefônica”, disse um alto executivo da Portugal Telecom. 

 

Desde a privatização da Telebrás, há 12 anos, o setor brasileiro de telecomunicações mudou radicalmente. A telefonia celular foi o segmento que mais evoluiu. Em 1998, o Brasil tinha 7,4 milhões de assinantes móveis. Atualmente, conta com 185,1 milhões de usuários, um crescimento de mais de 2.500%. 

 

A telefonia fixa dobrou o número de acessos, passando de 20 milhões para 41,4 milhões. Os clientes de tevê por assinatura somavam 2,6 milhões. Agora, são 8,4 milhões. E nem havia banda larga naquele período. O número de conexões da internet rápida fixa é de 11,8 milhões. Na móvel, 11,9 milhões. São números de encher os olhos de todos os que defenderam o processo de privatização. 

 

Mas há um esquecido nesta história: o consumidor. Ao mesmo tempo que a oferta de serviços explodiu, o preço pago por eles, comparado internacionalmente, é alto. O Brasil tem uma das tarifas mais caras de celular pré-pago do mundo. Por aqui, os consumidores gastam, em média, US$ 45 para realizar 30 chamadas e enviar 30 mensagens de texto, segundo pesquisa da organização Diálogo Regional sobre a Sociedade da Informação. 

 

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Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que o Brasil paga dez vezes mais pelo acesso à conexão banda larga do que países desenvolvidos. A qualidade deixa também a desejar. Os serviços de telefonia ocupam o primeiro lugar em número de reclamações no ranking do Procon-SP, com 45,8% das queixas registradas em 2009. 

 

“Os altos impostos, as tarifas de interconexão de redes e a ineficiência das operadoras são as causas destes problemas”, afirma Yon Moreira da Silva Jr., consultor de telecomunicações, que já foi vice-presidente de estratégia da Brasil Telecom, empresa adquirida pela Oi m 2008 (assista entrevista em vídeo no site da Dinheiro).  

 

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que deveria regular isso, está cada vez mais enfraquecida e esvaziada. A instituição, que tem 750 funcionários em Brasília, está perdendo 60 deles para a Telebrás, que foi recriada para tocar o Plano Nacional de Banda Larga. Em razão das eleições, a agência não poderá substituí-los antes de janeiro de 2011.

 

A concentração do mercado de telecomunicações brasileiro em três grandes grupos é uma notícia pouca alvissareira para os consumidores. Mas os otimistas hão de lembrar que três competidores são melhores do que dois ou do que um monopólio, como há 12 anos.  

 

“Os serviços de telecomunicações dependem de escala. E, a partir do momento que há mais volume, os preços tendem a cair naturalmente. Os consumidores podem antever boas propostas”, afirma Valente, da Telefônica. 

 

Até agora, espanhóis, mexicanos e luso-brasileiros se enfrentaram para valer na área de celulares. Em telefones fixos, banda larga e tevê por assinatura, a competição sempre foi restrita. Com operações nacionais e convergentes, a briga pelo mercado brasileiro chega a outro patamar.

 

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Antônio Carlos Valente, presidente da Telefônica no Brasil

 

Entrevista: Antônio Carlos Valente, presidente da Telefônica

“Vamos ampliar a cobertura e gama de serviços”

 

A Vivo é da Telefônica. Quais são os planos agora?

Nosso objetivo é atuar no mundo convergente. Vamos ampliar a cobertura e a gama de serviços. Gosto de usar o exemplo da tevê por assinatura via satélite. Podíamos ter levado para o Brasil inteiro, mas ela só está em São Paulo. No momento em que começamos a ter uma operação nacional, com logística e equipes comerciais, é natural a oferta. As sinergias são de 3,9 bilhões de euros.

 

Podemos esperar o avanço da Telefônica para o Brasil, atuando no varejo com banda larga, telefonia fixa e tevê a cabo?

É o nosso objetivo. Não só da Telefônica, mas de todas as empresas do setor. Afinal, essa é uma exigência do mercado. 

 

A Telefônica vai adotar o nome MoviStar no Brasil?

O Brasil será o último a analisar a mudança de nome. Temos de 18 a 24 meses para estudar as alternativas e tomar essa decisão.

 

Com a integração com a Vivo, podemos esperar preços menores para os consumidores?

Os serviços de telecomunicações dependem de escala. E, a partir do momento que há mais volume, os preços tendem a cair naturalmente. Os consumidores podem antever boas propostas.

 

 

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Roberto Lima, presidente da Vivo

 

Entrevista: Roberto Lima, presidente da Vivo

“Consolidação deve levar à queda de preços”

 

Sem uma integração da Vivo com uma operadora fixa e de banda larga, ela não ficaria isolada?

Até agora, não tivemos problemas. O nosso desempenho tem sido muito bom. Mas precisávamos atuar de forma integrada. Senão ficaria difícil concorrer no mercado. 

 

Por que a tarifa de celular é tão cara no Brasil?

A consolidação do mercado de telefonia deve levar à queda de preços. Mas as comparações de tarifas brasileiras com padrões internacionais não são benfeitas. As pesquisas levam em conta o preço nominal das tarifas, sem levar em consideração as promoções. E há uma carga de imposto de 45%, o que você não encontra em nenhum lugar do mundo.

 

Qual a decisão mais difícil que o sr. tomou na Vivo?

Foram várias. Uma delas foi sair da tecnologia CDMA e migrar para a rede GSM. Fizemos isso em tempo recorde. E deu certo. Marcou a nossa virada.

 

O sr. teve receio de que a briga dos acionistas atrapalhasse a operação da Vivo?

Nos esforçamos para blindar a companhia. Com a extensão das discussões e com a briga jurídica sendo levada a público, tive sim receio de que ela contaminasse as reuniões do conselho e atrapalhasse a velocidade de aprovação dos projetos.

 

 

Colaboraram Denize Bacoccina e Rodolfo Borges