Há uma lenda urbana assustadora em construção no Brasil, esse monstro dócil e facilmente enganável. A de que no próximo governo do presidente JB, caso ele ocorra, a gente de fato tenha uma gestão econômica liberal. Sob a batuta de Paulo Guedes. Sim, o próprio. E nesse governo viriam quimeras como sanidade fiscal e reformas estruturantes. A Fiscal, a Administrativa, a Política. É comovente. Chega a remeter aos Três Reis Magos. Lamento dizer que isso não ocorrerá. Porque um ser que despreza a vida e corrói o dinheiro público é por definição um antiliberal.

Antes, porém, é preciso exorcizar nossos demônios como nação. E eles passam por outubro. Não sou dos que consideram a reeleição de JB algo improvável. O oposto. Penso que precisamos lutar contra a hipótese diariamente. Por causa de um irresponsável Congresso, que despeja dinheiro na economia de forma inconsequente, pode sim virar a intenção de voto. Hoje, o presidente JB precisa de quantos seguidores teclando seu nome? Depende.

De acordo com o mais recente Datafolha (fim de junho), ele tem 31,8% dos votos válidos e Lula carrega 53,4%. Somos 152 milhões de eleitores. Uns 32 milhões não devem aparecer, caso o porcentual de abstenções seja igual ao de 2018. Sobram 120 milhões. Destes o petista teria, então, 64 milhões. JB outros 38 milhões. Uma diferença e tanto, claro. Mas olhe de outra maneira. Para evitar perder no primeiro turno, não se trata de retirar de Lula toda a diferença, de 26 milhões. Bastam 4 milhões de votos. Isso derrubaria o petista para o teto dos 50% e levaria a eleição para o segundo turno.

O presidente JB e seu séquito sabem que o efeito do Auxílio Brasil de R$ 600 vai chegar. Tanto que prometem zerar a fila de 2,8 milhões de famílias (em abril, o dado mais recente) que aguardam ajuda do programa. O número só cresce. Em março era a metade. Provavelmente em junho bata acima de 4 milhões de famílias. Com dois eleitores convertidos por domicílio Bolsonaro já colocaria no bolso 8 milhões de votos. Não é uma conta direta, claro, mas é uma conta. Eu faria.

A ironia dessa irresponsabilidade é que os parlamentares petistas contribuem bastante para ela, aprovando desde fundões partidários e eleitorais a PECs Kamikaze. Muitos desses políticos colocam na conta que o desmando e a dinheirama não serão capazes de virar o jogo da eleição. Recomendo prudência. Há quatro anos, pesquisa do Datafolha do fim de agosto trazia Lula com 39% e JB com 19% no cenário com o petista — que àquela altura já estava preso. Sem Lula, JB não variava muito. Subia para 22%. Fechou o primeiro turno com 46%. Evidentemente o até hoje nebulosíssimo evento da facada influenciou a conta. Mas se houve uma lição de 2018 que não devemos esquecer é a volatilidade das eleições no Brasil.

E aqui voltamos a Paulo Guedes. Todos que conviveram com ele até 2018 o tinham na mais alta conta como liberal. E preparado. Todos que o conheciam minimamente e frequentavam Brasília também sabiam de sua obsessão por ocupar um posto decisivo na economia nacional. E tudo bem. Somos feitos de sonhos. Guedes batalhou mais fortemente por isso no Momento Terceira Via da safra 2018, agarrando-se inicialmente a Luciano Huck, o apresentador apadrinhado por Fernando Henrique Cardoso que se mostrava mais apetitoso ao eleitorado do que Geraldo Alckmin, o candidato tucano.

Sem terceiras vias, Guedes pulou como pode na caravana do horror. Não conseguiu colocar nenhuma promessa de reforma de pé. Boa parte de seu time saiu quando percebeu que ele falava demais e fazia de menos. Só não perdeu Roberto Campos Neto — de quem, dizem, hoje nutre ciúmes — porque este foi para uma cadeira ‘imexível’. O blá-blá-blá de que no ‘segundo mandato faremos o que deveria ser feito’ embala dois perfis: inocentes e de má-fé. Então, é preciso aparecer alguém que diga: Isso não vai acontecer. Porque nunca haverá governo civilizado e liberal com JB no comando. Paulo Guedes fará um bem imenso ao País se disser isso.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.