O tão aguardado Bolsa Família do governo Jair Bolsonaro – batizado de Renda Brasil e rebatizado de Renda Cidadã – vai ficar, na melhor das hipóteses, para dezembro. Sem dinheiro para custear o programa social, mas sedento por aumento de sua aprovação popular, o governo decidiu empurrar com a barriga para depois das eleições deste ano os detalhes do plano de distribuição de renda, que deve ocupar o espaço deixado pelo fim do auxílio emergencial. O motivo é claro: sem opções de financiamento disponível, qualquer manobra no orçamento para custear o desejo do presidente seria, invariavelmente, retirado de outro lugar, e aprovar isso poderia prejudicar a imagem dos deputados em suas bases eleitorais às vésperas do pleito de novembro. Em bom português, uma manobra de agenda.

Se o adiamento foi motivo de alívio entre os parlamentares, no mercado a incerteza é problemática. “Tudo o que o mercado não precisava neste momento é de um clima de elevada incerteza”, disse a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto. “O ideal era que já fosse apresentada a proposta concreta, com os detalhes.” O problema é que, de fato, a postergação deve criar ainda mais incertezas e instabilidade na economia, em um cenário de fuga recorde de dólar e forte desvalorização do real frente às principais moedas globais. A grande preocupação é se o governo terá de romper o limite legal de despesas federais para cumprir sua promessa. Além disso, há dúvidas sobre a legitimidade (e moralidade) das fontes dos novos recursos.

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Em uma nota conjunta, as consultorias Legislativa e de Orçamento da Câmara dos Deputados afirmaram que financiar o Renda Cidadã com recursos reservados para o pagamento de precatórios não é adequado. Para tirar do papel o programa de renda básica em 2021, a equipe econômica propôs adiar o pagamento de precatórios (dívidas que a União precisa pagar depois de condenação judicial) e também destinar recursos do Fundo de Desenvolvimento Nacional de Educação Básica (Fundeb). “Valer-se da não vinculação dos recursos do Fundeb ao teto de gastos para justificar que a sua utilização, como fonte de receita, não desrespeitaria o limite de gastos é, não só um malabarismo retórico, como um argumento falacioso”, afirmou o tributarista Fernando Lima, do escritório Lavocat Advogados.

Do PIB, o equivalente a R$ 79,2 bilhões, será necessário para colocar o programa social de Bolsonaro em operação

Por toda essa conjuntura de incertezas, o modelo de financiamento do novo programa tem sido muito mal avaliado pelo mercado financeiro e por órgãos de controle dos gastos públicos. A proposta do governo era limitar o pagamento de precatórios a 2% do total e destinar o restante para o Renda Cidadã. Além disso, uma parte do valor que a União coloca no Fundeb seria destinada ao benefício. Somando essas duas despesas com o valor previsto atualmente para o Bolsa Família, o programa de Bolsonaro teria um aporte de R$ 79,2 bilhões em 2021. Sem o uso do Fundeb, proposta que enfrentou resistência do Congresso, ainda sobrariam R$ 74,3 bilhões (cerca de 1% do PIB).

Nem mesmo no governo existe consenso sobre qual seria a melhor forma de financiar o programa. O que é unanimidade é que acirrar os ânimos em período eleitoral pode gerar prejuízos irreversíveis à imagem do time bolsonarista, especialmente no Congresso, onde o chamado “recesso branco” faz com que os muitos parlamentares se dediquem às demandas de suas bases eleitorais e para os pleitos locais. Com isso, os parlamentares e o governo estão fechados na decisão de deixar o Renda Cidadã para dezembro. Se o Natal, dessa vez, não for a próxima desculpa.

Jornadas (e salários) normalizados só em 2021

PROVENTOS DIMINUÍDOS Os trabalhadores que tiveram contratos suspensos ou reduzidos por conta da Covid poderão continuar com o contrato até 31 de Dezembro, enquanto vigora o estado de calamidade pública. (Crédito: Cesar Conventi)

Não é apenas o programa de transferência de renda de Bolsonaro que ficará para o final do ano. Com a persistência da crise econômica e a falta de reação do mercado de trabalho nos últimos meses, o presidente assinou um decreto mantendo, até o final de 2020, os termos da Medida Provisória 936, que libera os acordos de redução salarial ou suspensão do contrato de trabalho, autorizados no início da pandemia da Covid-19.

Publicado no Diário Oficial da União o decreto nº 10.517 permite que os acordos sejam prorrogados por dois meses. Com isso, os trabalhadores poderão ficar até oito meses afastados do trabalho ou com uma jornada de trabalho menor que a habitual. O decreto deixa claro, por sua vez, que os acordos não podem extrapolar o período de calamidade pública causado pela pandemia de Covid-19, que vai até 31 de dezembro de 2020.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, disse que apesar de parte da economia brasileira apresentar sinais de recuperação, alguns setores econômicos ainda precisam de ajuda para pagar a folha de pagamento. A expectativa é que os acordos sejam prorrogados especialmente por empresas do setor de serviços, como os bares, restaurantes e hotéis, que estão demorando mais a se recuperar da crise do novo coronavírus. Além do contrato revisto, os trabalhadores continuarão recebendo o complemento salarial do governo, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm). Segundo Paulo Guedes, essa medida preserva, em média, 18,6 milhões de empregos. Agora só falta criar um plano que abarque os 13 milhões de desempregados no País, revelados na última pesquisa do IBGE, no trimestre terminado em julho.