Criada na Constituição de 1946 para garantir que os recursos da União cheguem ao povo brasileiro, as emendas parlamentares se tornaram um dos mais funcionais instrumentos de barganha entre o Legislativo e o Executivo. Com a obrigatoriedade da União em empenhar recursos para as bases eleitorais dos congressistas, aprovada em 2014, sob o argumento de que são eles que mais conhecem as mazelas do povo, a cifra despendida em 2021 pode ser três vezes maior que a de 2020. Além de mais recursos, um movimento na Câmara quer retirar o lastro do valor recebido.

A ideia é de Arthur Lira (PP-AL), parlamentar recém-empossado presidente da Casa, sob argumento de que a forma atual de o dinheiro sair de Brasília e chegar aos governadores e prefeitos (por meio da Caixa Econômica Federal) cria uma excessiva burocracia. Na teoria, eliminar intermediação pode fazer sentido. Mas como se trata de dinheiro público, tudo no Brasil pede desconfiança.

A defesa do parlamentar acompanha uma demanda antiga de seus pares no Congresso, partilhada inclusive por Jair Bolsonaro, que tratou do tema em conversa com apoiadores. “Tem muita lei do passado que realmente é para combater a corrupção, mas engessa o prefeito”, disse. Segundo o presidente, há conversas diretas com Lira no sentido de mudar tais leis. Apesar da fala de Bolsonaro, o presidente da Câmara afirmou que os diálogos não foram iniciados, mas deixou claro que há interesse de grande parte dos parlamentares em discutir a questão. “O processo usado atualmente é muito moroso e, muitas vezes, chega a perder o sentido inicial”, afirmou. Se Lira e Bolsonaro concordam, o outro lado da moeda está em órgãos fiscalizadores. A demora no processo, segundo informações do Tribunal de Contas da União, se dá justamente para garantir que haja lastro e que o destino seja de livre acesso de órgãos fiscalizadores e da população, por meio do Portal Transparência. Hoje, ao aprovar uma emenda para uma localidade específica, o prefeito ou governador precisa de convênio com a Caixa.

PARCERIA Tanto Bolsonaro quanto Arthur Lira, presidente da Câmara, defendem mudança no sistema de repasse do dinheiro das emendas. (Crédito:Pedro Ladeira)

Especialista em orçamento público com 20 anos de atuação no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Camila Sobral afirmou que a forma como são deslocados os recursos atualmente é assertiva, apesar de burocrática. “A população tem o direito de saber para onde vai o dinheiro que seu deputado conseguiu. Tirar a intermediação da Caixa é vendar os olhos do contribuinte”, afirmou. Para o deputado Lira, a mudança não tiraria o controle público. “Talvez seja necessária a desburocratização para que os recursos possam chegar lá na ponta e fazer os seus efeitos”, disse.

Segundo informações do Relatório de Emendas da Câmara, um pedido de recurso de um deputado pode levar até seis anos para chegar ao destino, a depender das aprovações dos órgãos reguladores e autorizações legais da situação fiscal dos estados e municípios. Com isso, muitos parlamentares deixam o mandato antes de ver seus recursos empenhados efetivamente. Uma clássica situação em que se correr (e desburocratizar) o bicho pega (falta de controle), se ficar (e não desburocratizar) o bicho come (e o dinheiro não chega).

TURBINADA DE R$ 35,3 bilhões

Com a chance de facilitar o envio dos recursos, os parlamentares aproveitaram a melhora na estimativa de receita da União em 2021 para anabolizar as emendas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias feitas ano passado para este exercício fiscal. Agora estão reservados R$ 51,8 bilhões, dos quais R$ 14,5 bilhões vão para despesas fora do teto de gastos, como Fundeb e capitalização das estatais. A nova cifra representa aumento de R$ 35,3 bilhões nos recursos estimados previamente. Também foi acordado na Comissão do Orçamento que os R$ 1,6 bilhão de despesas a serem cortadas pelo Executivo sejam canceladas. As informações constam no parecer preliminar do senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento. Para Mário Maia, advogado e professor de gestão de políticas públicas da Universidade de Brasília (UnB), esses valores podem encontrar algumas travas. “Caso a arrecadação prevista pelo governo não ocorra, há um dispositivo legal para que os recursos previstos sob essa premissa sejam cancelados”, disse.