Quarenta milhões de desempregados no Brasil. O equivalente a 90% da população do estado de São Paulo sem emprego. E um PIB negativo de pelo menos 3%. Esse é o cenário mais pessimista projetado por economistas e empresários caso o governo federal não implemente, de forma rápida, medidas que sustentem a saúde financeira das empresas. Garantir o emprego e a renda dos brasileiros no período de calamidade pública decretada pelo presidente Jair Bolsonaro por conta da crise do coronavírus é um desafio inédito na história do País.

Além da crise sanitária em si, com o aumento alarmante dos casos confirmados e do número de óbitos, empregadores e colaborador precisam lidar com o vai e vem das decisões originárias do Palácio do Planalto, que a cada dia mostra falta de sintonia com governadores e prefeitos. Prova disso é que boa parte do empresariado entendeu como insuficiente a Medida Provisória 927, assinada pelo presidente na noite do domingo 22 e que estabelece medidas que podem ser adotadas por empregadores enquanto durar o estado de calamidade pública, como teletrabalho (home office), antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas e o adiamento do recolhimento do FGTS. Menos de 24 horas depois de ter feito o anúncio, Bolsonaro não resistiu às críticas de empresários, economistas e políticos, que consideraram o pacote desastroso e exagerado. A solução foi revogar o artigo 18 da MP, que permitia suspender contrato de trabalho com os colaboradores por até quatro meses. Se posta em prática, a medida poderia levar o Brasil ao completo caos social.

INJEÇÃO A principal fonte de críticas é a disparidade das medidas do governo brasileiro em comparação às adotadas por líderes mundiais. O Reino Unido vai pagar até 80% do salário dos trabalhadores britânicos. O presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou o repasse US$ 1 mil (R$ 5 mil) a cada americano, dentro de um pacote de estímulo econômico recém-aprovado de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões), e ainda assim, três milhões de pessoas requisitaram o seguro-desemprego de lá. No Brasil, ao invés de ajudar os vulneráveis, o governo mostra falta de tato.

Para o coordenador do curso de Ciências Econômicas da PUC Paraná, Jackson Teixeira Bittencourt, a ajuda mínima no Brasil deveria ser de, pelo menos, R$ 500. O governo chegou a defender R$ 200, mas o Congresso atuou aumentar em mais R$ 300, proposta que atende apenas trabalhadores informais. “O Estado precisa injetar ao menos R$ 120 bilhões na economia. O governo segue negligente e não pode deixar apenas o mercado resolver essa questão. É preciso proteger direitos.”

“Em quinze dias o setor de turismo perdeu R$ 2,2 bilhões. Nesse ritmo, o segmento pode demitir até 2,5 milhões de pessoas” Alexandre Sampaio de Abreu, presidente da FBHA.

Já o presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação, Alexandre Sampaio de Abreu, acredita que as tímidas medidas anunciadas não ajudam o setor de turismo, que, em quinze dias, perdeu R$ 2,2 bilhões. “Nesse caminho, o segmento pode demitir até 2,5 milhões de pessoas”, diz. A entidade, em conjunto com outras associações, enviou documento ao governo federal para uma nova MP que, segundo Sampaio, asseguraria em parte a manutenção do emprego. O texto propõe suspensão do contrato por 90 dias, mas remuneração com seguro-desemprego até limite de R$ 1,8 mil e acesso a até 70% do saldo do FGTS. Outras propostas podem ajudar a salvar setores específicos. “Se a única solução for adotar férias coletivas, por exemplo, isso precisa ser dialogado. O capital humano precisa ser preservado”, diz Melissa Gava, CEO da Mediação Online, plataforma de mediação de conflitos. Ela entende que é preciso entendimento entre empregado e empregador para evitar aumento de casos na Justiça Trabalhista, já abarrotada de processos.

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), organização social que garante repasse de recursos dos ministérios da Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia para projetos de empresas, assegurou R$ 40 milhões para ações de combate ao coronavírus, além de aporte de mais R$ 2 milhões, desta vez em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), e com isso, ajudar empresas a manter empregos e seguir em atividade. “Uma das alternativas é ajudar no desenvolvimento de componentes para respiradores. Queremos disponibilizar todo esse recurso em até 15 dias”, diz o diretor da Embrapii, José Luis Gordon. Algumas empresas, como Lojas Renner e banco Santander, já sinalizaram não irão demitir período da pandemia.

O presidente da XP Inc., Guilherme Benchimol, foi um dos primeiros a apontar para o enorme número de desempregados — os 40 milhões de brasileiros sem atividade representariam 30% de taxa de desemprego, contra os atuais 12 milhões de pessoas em busca de espaço no mercado —, caso não haja logo uma espécie de Plano Marshall brasileiro, programa bilionário de ajuda americano aos países europeus para retomar a economia após a Segunda Guerra. A questão é se o ministro da Economia, Paulo Guedes, que pouco se posicionou até agora, tomará a frente com respostas concretas para salvar o País de um apagão no emprego pós-surto da doença.