A investigação da Polícia Federal que colocou o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), no centro de um possível esquema de desvios em contratações na Saúde e Infraestrutura foi aberta em julho a partir de suspeitas levantadas na Operação Dose de Valores, que mira indícios de fraude e direcionamento de licitações para compra de remédios e insumos hospitalares.

O ponto de partida foi um áudio trocado entre representantes de uma empresa especializada na venda de medicamentos. A gravação, obtida a partir de interceptação telefônica, sugere que o governador teria sido destinatário de R$ 70 mil em propinas. Outro elemento chamou atenção da PF: um comprovante de transferência encontrado no celular do sócio da farmacêutica, no valor de R$ 6 mil, para Rutembergue Crispim Silva, que foi chefe de gabinete do governador e diretor da Secretaria de Saúde do Acre.

Com as primeiras suspeitas em mãos, a Polícia Federal recebeu um relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontando vinte comunicações de movimentações financeiras suspeitas envolvendo o governador. O documento mudou o rumo da investigação, que passou a ter como foco as operações com aparência de lavagem de dinheiro.

As transações notificadas ultrapassam a marca de R$ 828 milhões. São depósitos fracionados em espécie, uso de pessoas interpostas para pagamento de contas pessoais, compra de veículos de luxo subfaturados com cessão de créditos, contratações imobiliárias com uso de laranjas e repasses de empresas fictícias.

“Consideramos a movimentação acima da capacidade financeira presumida do cliente, bem como, aparentemente, sem relação com a atividade declarada, inexiste indicação de parte da origem dos recursos, realização de depósitos em espécie e realização de operações que, por sua habitualidade, valor e forma, configurem artifício para burla da identificação da origem, do destino, dos responsáveis ou dos beneficiários finais”, diz um trecho do relatório do Coaf.

De acordo com o documento, contabilizando apenas depósitos em dinheiro vivo, as contas do governador receberam R$ 956 mil entre agosto de 2018 e novembro de 2021.

Na avaliação da PF, as comunicações ‘indicam, fortemente, uma atuação articulada e capilarizada de branqueamento de capitais – tendo o governador Gladson Cameli como sujeito central e principal beneficiário’. Ele foi alvo de buscas há duas semanas na Operação Ptolomeu, na primeira etapa ostensiva da investigação. Sua chefe de gabinete, Rosângela Gama, foi presa na ação.

O inquérito que tem Cameli como principal investigado também se cruzou com outra investigação da Polícia Federal, a da Operação Assepsia, que se debruçou sobre a compra emergencial e sem licitação, pela Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco, de álcool em gel e máscaras na pandemia. Um dos alvos da PF no Amazonas foi o empresário Rudilei Soares de Souza, o ‘Rudilei Estrela’, apontado como operador financeiro do governador. Em 2018, quando saiu candidato a deputado federal, o empresário recebeu apoio público de Cameli na campanha. Na segunda fase da Assepsia, em abril, os policiais federais fizeram buscas na casa de Rudilei e encontraram um carro registrado no nome do governador.

As transações para compra veículos de luxo acenderam o alerta da PF. Em 2018, quando concorreu ao cargo, Cameli declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) R$ 202 mil em automóveis. O patrimônio aumentou mais de 800% desde então, chegando a mais de R$ 1,6 milhão, segundo os cálculos da Polícia Federal.

A suspeita é que, com apoio de Rudilei Estrela, as transações com veículos, imóveis, dinheiro vivo e cartões de crédito tenham sido usadas para lavar dinheiro desviado dos cofres públicos do Estado. O suposto esquema envolveria o direcionamento de licitações, contratações superfaturadas e a confirmação de recebimento de mercadorias não entregues e de serviços não prestados em troca de vantagens indevidas. De acordo com a PF, os empenhos para pagamentos dos contratos suspeitos eram efetuados, via de regra, sob código de recursos próprios, o que na avaliação dos investigadores pode ser um artifício para dificultar a fiscalização por órgãos de controle federais.

Os detalhes do esquema de propinas milionárias que teriam sido repassadas ao governador do Acre foram divulgados em primeira mão pelos jornalistas Fábio Pontes e Leonildo Rosas e confirmados pelo Estadão. Pontes edita o blog que leva seu nome. Seu colega é responsável pelo site Portal do Rosas.

O Ministério Público Federal (MPF), que acompanha as investigações, calcula que o enriquecimento ilícito do governador seja de, no mínimo, R$ 2 milhões. Seu patrimônio saltou de R$ 2,9 milhões em 2018 para R$ 6,4 milhões, segundo o inquérito.

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR

A reportagem entrou em contato com a assessoria do governador, por e-mail e telefone, e aguarda resposta. O espaço está aberto para manifestação.