A decisão dos Emirados Árabes Unidos (EAU) de normalizar as relações com Israel pode levar a Arábia Saudita a aprofundar as relações secretas com o Estado hebreu agora que Riade busca captar investimentos para financiar sua ambiciosa transformação econômica, preveem analistas.

Os Emirados Árabes Unidos se tornaram na quinta-feira o primeiro país do Golfo a normalizar as relações com Israel, após um acordo histórico promovido pelos Estados Unidos, que abre a via para acordos similares com outros países árabes.

Maior economia do mundo árabe, a Arábia Saudita se mantém em silêncio sobre o acordo, mas as autoridades locais têm insinuado ser pouco provável que Riade siga os passos do principal aliado regional em um futuro próximo.

O genro do presidente americano, Donald Trump, e assessor da Casa Branca, Jared Kushner, afirmou nesta segunda-feira (17) que conviria aos interesses da Arábia Saudita normalizar suas relações com Israel.

Fragilizaria a influência do inimigo comum, o Irã, na região e no fim ajudaria os palestinos, acrescentou Kushner em conversa por telefone com jornalistas.

“Seria muito bom para os negócios sauditas, muito bom para a defesa saudita e francamente, penso que ajudaria o povo palestino”, acrescentou.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse nesta segunda-feira que trabalha-se na criação de um corredor aéreo com a Arábia Saudita para voos rumo aos Emiratos Árabes Unidos, uma medida na linha da normalização das relações com Abu Dhabi.

Aziz Alghashian, professor da Universidade de Essex especializado na política do reino petroleiro com Israel, disse que a “normalização EAU-Israel se presta a ampliar o âmbito das relações indiretas entre sauditas e israelenses”.

A Arábia Saudita, que abriga dois dos locais santos mais importantes do Islã, fará cálculos políticos sensíveis antes de formalizar o reconhecimento do Estado hebreu.

O reino do deserto tem cultivado laços secretos com Israel nos últimos anos, uma mudança liderada pelo príncipe-herdeiro Mohamed bin Salman apesar de seu pai, o rei Salman, manifestar apoio a um Estado palestino independente.

A animosidade compartilhada contra o Irã, juntamente com as tentativas sauditas de atrair investimento estrangeiro para financiar o ambicioso plano de diversificação econômica do príncipe Mohamed, o Vision 2030, parece aproximar mais do que nunca o reino a Israel.

Parte central do plano Vision 2030 é a criação de NEOM, uma megacidade de meio trilhão de dólares na costa ocidental do reino que, segundo os observadores, precisa da perícia de Israel em setores como manufatura, biotecnologia e cibersegurança.

A criação de NEOM “precisa de paz e de coordenação com Israel, especialmente se a cidade quiser se tornar uma atração turística”, disse Mohamad Yaghi, pesquisador da fundação alemã Konrad Adenauer.

– ‘Parte integrante’ –

Os Estados do Golfo buscam de forma crescente a tecnologia israelense para vigiar seus cidadãos e comprar mísseis de precisão que países ocidentais se recusam a lhes vender, escreveu Yaghi em abril.

A Arábia Saudita tenta manter sua aproximação com Israel fora dos olhares do público, mas não tem sido fácil.

Em junho, uma conta do Twitter verificada relacionada com a embaixada saudita em Washington assegurou que o conselho de ministros sauditas tinha acordado contratar a empresa de cibersegurança israelense Check Point Software na NEOM.

A embaixada negou depois e se afastou da conta.

Mas Marc Schneier, um rabino americano com laços estreitos com o Golfo, assegurou que o vice-ministro da Defesa, príncipe Khalid bin Salman, tinha lhe dito que Israel era “parte integrante” para concluir o Vision 2030.

Apesar do silêncio oficial, a imprensa pró-governamental saudita pôs à prova a reação do público com a publicação de informes defendendo estreitar laços com Israel.

“Prevejo um futuro que supõe a criação de um ecossistema high-tech conjunto entre os países do [Conselho de Cooperação do Golfo], conhecido como o ‘Silicon Wadi'”, em alusão ao Vale do Silício (Silicon Valley) americano, escreveu na semana passada o consultor israelense Nave Shachar na página em inglês da emissora saudita Al-Arabiya.

Shachar, que segundo o seu perfil no LinkedIn trabalhou para o ministério da Defesa israelense, assegura que “agora mais do que nunca é do máximo interesse para Israel e o GCC aumentar sua cooperação empresarial”.

Observadores asseguram que Trump, que deu seu apoio ao príncipe Mohamed após as críticas que se seguiram à morte do jornalista Jamal Khashoggi em 2018, pode influir para fazer com que o reino reconheça oficialmente Israel.

Mas a Arábia Saudita parece resistir à pressão de Washington, pois se joga mais do que os Emirados Árabes Unidos.

“Esta iniciativa audaciosa dos Emirados fortalecerá as forças geracionais que lhes gostaria que aconteça agora”, disse Shachar à AFP esta semana.