Para desgosto das elites em Kiev, Berlim recusa-se a exportar armamentos para a Ucrânia. Contudo, o comércio bilateral está prosperando, e a Alemanha fornece ao país mais ajuda do que qualquer outro membro da UE.O presidente russo, Vladimir Putin, já pode reivindicar para si uma vitória na atual crise em torno da Ucrânia. A relação entre a Alemanha e a Ucrânia, que vinha boa nos últimos anos, está se deteriorando.

Há uma profunda frustração entre as elites ucranianas por causa do controverso gasoduto Nord Stream 2, e agora também porque a Alemanha decidiu não fornecer armas à Ucrânia. Há muito debate atualmente sobre quanto apoio a Alemanha tem dado à Ucrânia desde os protestos pró-Europa de Maidan, também conhecidos como a “Revolução da Dignidade”, que ocorreram há sete anos.

No início de fevereiro, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, fez as contas para rebater as críticas de Kiev. Ele disse que quase 2 bilhões de euros (R$ 11,7 bilhões) de ajuda direta haviam fluído da Alemanha para a Ucrânia desde que o país havia se manifestado a favor de eleições democráticas, uma trajetória pró-Europa e contra o governo aliado do Kremlin que foi derrubado em 2014.

Além disso, foram destinados nesse período à Ucrânia mais 3,8 bilhões de euros (R$ 22,2 bilhões) do orçamento da União Europeia, cujo maior contribuinte líquido é a Alemanha, apontou o líder alemão.

Scholz reconheceu haver um debate sobre quem havia dado “mais ajuda” à Ucrânia desde 2014, se os Estados Unidos, que agora estão fornecendo armas, ou a Alemanha. O governo ucraniano calculou recentemente que todos os seus parceiros, somados, direcionaram 1,5 bilhão de dólares (R$ 4,5 bilhões) em “ajuda de defesa militar” à Ucrânia.

Ajuda militar é prioritária

A ajuda militar é claramente uma prioridade em Kiev no momento. Em recente entrevista à rádio pública alemã Deutschlandfunk, o embaixador ucraniano na Alemanha, Andriy Melnyk, criticou o fato de que ninguém tinha sido capaz de detalhar a ajuda da Alemanha ao seu país desde a revolução Maidan. Ele disse que pensava que a Alemanha havia gastado na Ucrânia cerca de 771 milhões de euros (cerca de 876 milhões de dólares) em “ajuda ao desenvolvimento” desde 2014.

Esse montante colocava a Ucrânia em “13º lugar, atrás do Congo e da Tunísia”, ele acrescentou. “Agradecemos a ajuda que recebemos da Alemanha. Não há dúvida que somos muito gratos”, insistiu o embaixador ucraniano, ao mesmo tempo em que disse ser necessário colocar tudo em perspectiva.

Há claramente um profundo sentimento de frustração.

Apoio para manter o rumo pró-Europa

Desde a revolução Maidan, Berlim tem apoiado a Ucrânia a manter seu rumo pró-Europa, e criou centenas de projetos de consultoria e programas de ajuda. Muitos economistas alemães passaram bastante tempo em hotéis de Kiev.

Por meio do Fundo Monetário Internacional, a Alemanha também ajudou a estabilizar a economia da Ucrânia e a sua moeda, a grívnia. Sem essa ajuda, Kiev provavelmente teria sido obrigada a fazer uma reforma monetária.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores alemão, a Alemanha apoiou a Ucrânia “com mais de 1,8 bilhão de euros” (R$ 10,5 bilhões). Além disso, diz, as iniciativas estatais foram ampliadas por “projetos de fundações políticas, associações, ONGs”.

O órgão também afirma que cerca de 200 projetos com “a sociedade civil nos países da Parceria Oriental e Rússia” estão sendo financiados, e os ucranianos estão envolvidos em cerca da metade deles. E há apoio financeiro para o desenvolvimento de uma “emissora pública independente” na Ucrânia e para o fortalecimento de programas de intercâmbio juvenil.

O Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha preparou um resumo detalhado, que mostra que 350 jardins de infância e 50 escolas foram renovados com fundos alemães e que 300 milhões de euros (R$ 1,7 bilhão) foram fornecidos pela Alemanha “para fortalecer o leste da Ucrânia”, especialmente para ajudar as pessoas que foram deslocadas dos territórios ocupados por separatistas pró-Rússia.

Os fundos continuarão a ser fornecidos no futuro. O ministério disse que, no final de 2021, o governo alemão concordou em um acordo de 96,5 milhões de euros (R$ 560 milhões) com seu homólogo ucraniano “para a estabilização do leste da Ucrânia, implementar o Acordo de Associação da UE, eficiência energética, boa governança e treinamento profissional”.

Boas relações econômicas

A Alemanha está mais envolvida na Ucrânia do que qualquer outro país da União Europeia. Isso é particularmente evidente nas relações econômicas bilaterais, que demonstraram grande robustez desde que a Rússia iniciou a agressiva mobilização de militares nas proximidades da Ucrânia. As empresas alemãs mantêm seu interesse de fazer negócios na Ucrânia.

“Nunca tivemos tantas consultas como nos últimos meses”, disse à DW Alexander Markus, presidente da Câmara de Indústria e Comércio Teuto-Ucraniana. Além disso, no ano passado, a balança comercial entre os dois países se recuperou da queda causada pela pandemia em apenas 12 meses, segundo ele.

As trocas comerciais somam 7,7 bilhões de euros (R$ 44,9 bilhões), quase no mesmo nível da balança entre a Alemanha e a Romênia, que é um membro da União Europeia e vizinha da Ucrânia e tem metade da população ucraniana.

Nesse período, a Ucrânia exportou bens e serviços no valor de 2,8 bilhões de euros (R$ 16,3 bilhões) para a Alemanha. E as empresas alemãs exportaram 4,9 bilhões de euros (R$ 28,6 bilhões) para a Ucrânia.

Nenhum outro país da União Europeia tem uma relação econômica com a Ucrânia tão forte como a Alemanha. De acordo com a Câmara de Indústria e Comércio, cerca de 2 mil empresas alemãs estão ativas na Ucrânia. Elas fazem bons negócios e exportam tudo o que o setor industrial alemão produz – exceto armas.