Conheci o americano Thomas Case, no começo dos anos 1980, em São Paulo. Engenheiro formado pela Universidade de Michigan, Case, mal entrado na casa dos 40 anos de idade, me explicava em seu português carregado os planos de crescimento para a Catho, a empresa de recolocação e recrutamento de executivos que criara pouco tempo antes, em 1977. Sua ideia era torná-la  uma das maiores firmas do setor,  competindo com nomes consagrados como a Spencer Stuart, Simon Franco, PMC, Korn Ferry, Heidrick & Strugles e Boyden, entre outras.

O diferencial da Catho era atuar como uma espécie de atacadista do mercado, bombardeando os possíveis clientes com currículos dos candidatos a uma colocação, geralmente nos escalões intermediários do organograma corporativo. Tratava-se de uma estratégia bem diferente da concorrência, que atuava mais seletivamente, como espécies de boutiques, mais voltadas para a alta gerência e posições de comando das companhias.

Turbinada por sua aposta pioneira na internet, com a Catho Online, a empresa de Case cresceu exponencialmente no período seguinte, alcançando as primeiras colocações do ranking da atividade. O sucesso da Catho, que chegou a sofrer um processo por cópia de currículos de um concorrente, em 2002, chamou a atenção da americana Tiger Management, que desembolsou uma cifra milionária para assumir o seu controle, em 2006, e a repassou à australiana Seek, seis anos depois . “Eu estava com 69 anos, sem sucessores na época, pois filhos ainda eram adolescentes, e a proposta era boa”, lembra Case.

Com a dinheirama recebida, o empresário bem que poderia se dar ao luxo da aposentadoria, curtindo a vida em alto estilo e com uma fortuna capaz de garantir o futuro de mais de uma geração dos Case. Ele até que tentou. Mudou-se para Portugal – uma das razões foi o sequestro de seus filhos, logo após a venda da Catho – e passou a dedicar-se ao dolce far niente, combinado com raros trabalhos de consultoria. Mas logo desistiu da inatividade. “Não suportei a aposentadoria, que parecia uma espécie de morte em vida, e resolvi voltar a viver”, diz.

Coincidentemente, tal como acontecera com a Catho, que resolveu montar ao ser demitido de uma fabricante de silos agrícolas em que trabalhava, em Londrina, no interior do Paraná,  a volta aos negócios se deu também em decorrência de motivos pessoais. Praticante de exercícios físicos desde sempre, Case padecia de dores terríveis nas pernas e pés, em decorrência da deformação conhecida como do “pés chatos.” Seu fisioterapeuta e personal trainer, por acaso, fabricava artesanalmente palmilhas para mitigar o desconforto. “Mas eram muito primitivas, ajudavam,  mas não resolviam os problemas”, afirma.

Numa rápida pesquisa de mercado, ele e o fisioterapeuta verificaram que havia uma avenida de oportunidades nessa área da ortopedia para produtos de qualidade. “Cerca de 80% da população brasileira tem algum tipo de dor nos pés e pernas”, diz. No melhor estilo Case, trataram de por a ideia em pé. Fizeram as malas e foram para a Europa em busca dos fabricantes  com a melhor tecnologia para a produção de ponta de palmilhas. “Visitamos 14 empresas e selecionamos dois fornecedores”, diz.

Fundada em 2009, com o sugestivo nome de Pés Sem Dor, a nova empresa tinha como sócios Case, que detinha 80% do capital, e o fisioterapeuta, que ficou com os restantes 20%. Inicialmente, os dois sócios construíram uma fábrica de palmilhas em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, que abrigava os equipamentos alemães. “Mas os resultados não eram satisfatórios e não conseguíamos produzir as palmilhas com os níveis de qualidade almejados”, diz.

A virada começou quando Case decidiu deixar de lado os tradicionais  sistemas de produção 2D e migrar para a tecnologia 3D, cuja aplicação industrial ainda engatinhava, no começo desta década. “A tecnologia inicial era a mais avançada para os padrões brasileiros, mas acreditamos que poderíamos melhorar ainda mais”, afirma Case.

Para chegar ao estado da arte na produção de palmilhas, Case não economizou. Todas as lojas da Pés Sem Dor são equipadas com  baropodômetros, aparelhos que   avaliam a pressão sob a sola dos pés, gerando informações que são transmitidas por scanners para as impressoras 3D instaladas no atual centro de produção de palmilhas, na região da avenida Paulista.

Segundo Case, os scanners foram desenvolvidos especialmente pela chinesa Vismach, cujo dono, o empresário Wei Shi, graduou-se na mesma escola de engenharia em que Case se formou, nos Estados Unidos. Já as impressoras 3D são produzidas pela brasileira AE3D, de um antigo funcionário da Pés Sem Dor, o engenheiro Erickson Ferreira de Oliveira.

Com esses equipamentos, a intervenção humana no desenho e fabricação das palmilhas é praticamente zero. “Assim evitamos eventuais acessos de criatividade no processo”, diz. “Ao mesmo tempo, os fisioterapeutas podem de concentrar em examinar e ouvir os problemas dos clientes.”

De acordo com Case, todo o investimento foi bancado até aqui com recursos próprios, a despeito do alto custo dos equipamentos – um baropodômetro, por exemplo, não fica por menos de 13 mil euros. Mas vale a pena. “Com isso, podemos oferecer a única palmilha flexível do mercado brasileiro, com alto grau de acerto”, afirma.

Essa confiança levou o marketing da Pés Sem Dor a oferecer aos clientes a possibilidade de receber seu dinheiro de volta até 12 meses depois da compra, caso estejam insatisfeitos com suas palmilhas, que podem ser parceladas também em 12 prestações. “O índice de devolução é de apenas 6%”, afirma Case.

Chegar até aqui não tem sido fácil. Foram sete anos consecutivos de prejuízos. Somente a partir do segundo trimestre deste ano é que a operação, que emprega 80 funcionários, entrou no azul. “Crescemos 116% em vendas nos primeiros oito meses de 2017, afirma. Cotejado com o ambicionado por Case, em todo o caso, trata-se de num negócio ainda incipiente e que tem muito chão para crescer.

Ao todo, as palmilhas são vendidas em 20 lojas, das quais 12 são próprias e as restantes franqueadas. Não existe loja de rua. Todas elas são instaladas em prédios comerciais, como se fossem consultórios de fisioterapias. Neles, os clientes são examinados por um fisioterapeuta, que os submete ao exame barapodométrico – não há palmilhas para pronta entrega. Cada par custa em média, R$ 500.

No radar de Case há pela frente dois grandes desafios para consolidar a Pés Sem Dor. O primeiro é ampliar a rede de lojas, principalmente via o sistema de franquias. Até dezembro, a meta é chegar 30 unidades, às quais devem se somar mais 50 até o fim de 2018, em diferentes regiões brasileiras (atualmente há  unidades em funcionamento em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Maceió, além Ribeirão Preto, Sorocaba e Jundiaí, no interior paulista).

O processo de expansão da rede  implica em avançar no enfrentamento ao outro desafio: desbravar e criar o mercado de palmilhas no País. “Ninguém fez isso até agora”, afirma Case, que contabiliza 15 concorrentes no mercado nacional. Mesmo assim, a penetração do produto no Brasil não passa de traço. Ou seja, há muito a ser feito. Sua referência é a Alemanha, onde pelo menos 50% da população usam palmilhas ortopédicas. “Precisamos fazer uma profunda mudança cultural no País.”

O potencial é imenso, aponta Case. Caso o índice brasileiro chegue a 10%, isso significaria uma clientela de algo como 20 milhões de pessoas, com pelo menos R$ 1 bilhão em vendas. “Nossa missão é gerar clientes para a rede de lojas”, explica Case, que está investindo em publicidade na televisão, em canais de menor expressão como Gazeta e RedeTV, e num site que recebe em média 20 mil visitantes diários.

Além disso, Case vai centrar fogo num fatia de possíveis clientes formadas por profissionais  do comércio e da indústria que por conta de suas funções trabalham muitas horas diárias em pé, como os empregados de shoppings centers e fábricas.

Atualmente, a Pés Sem Dor mantém projetos-pilotos para o emprego de suas palmilhas trabalhadores da Bombril e do Naturafrig, um frigorífico baseado em Rochedo, no Mato Grosso do Sul. “Temos certeza que ao melhorar a qualidade de vida no trabalho  do pessoal estaremos contribuindo para ganhos de produtividade das empresas”, afirma.

Quatro décadas depois do nosso primeiro encontro, Case, que completou 80 anos em agosto, exibe uma vitalidade e um entusiasmo semelhante ao dos tempos pioneiros da Catho e não para de fazer planos para o futuro. Para acentuar a jovialidade, ele não vacila em combinar um discreto terno azul marinho, camisa azul, sem gravata, com um espalhafatoso par de tênis vermelhos, reforçados por palmilhas da Pés Sem Dor, com que desfila em meio às impressoras 3D na empresa.

Para perpetuar a Pés Sem Dor, Case vem preparando dois de seus quatro filhos para sucedê-lo um dia. Thiago, de 27 anos, é o encarregado do marketing. Thomas Jr. responde pela fabricação das palmilhas. Ele garante que  mais do que ampliar a fortuna familiar, o que o move mesmo na empreitada tem a ver com o ego de empreendedor. “Quero ficar conhecido como o homem que criou dois negócios bem-sucedidos”, diz. Seu sonho é que a nova empresa seja ainda maior que a Catho, um negócio de pelo menos US$ 100 milhões de faturamento por ano. “Para que isso aconteça, estou por aqui mandando brasa.”