A primeira vista, o bronzeado do executivo paulista Luiz Eduardo Falco, de 55 anos, sugere que o negócio dele é viajar. Não fosse pela gravata bem alinhada, o terno de grife e o relógio suíço, seria natural imaginar que ele vive em férias. Essa primeira impressão não está completamente equivocada, embora não faça jus à sua intensa rotina. Desde o começo de 2013, ele responde pela presidência da CVC, a maior empresa de turismo do Brasil, com vendas de R$ 10,2 bilhões no ano passado. O trabalho de Falco, portanto, é voar, se hospedar, navegar, experimentar e degustar, entre outros verbos associados à indústria do lazer – além das inevitáveis reuniões estratégicas a portas fechadas. “Em uma empresa sem dono como a nossa, em que ao mesmo tempo todos são donos, não dá para ficar parado. A pressão é por resultados, por expansão, por novos negócios”, afirmou Falco, em entrevista à DINHEIRO, em seu escritório no oitavo andar da sede da empresa, em Santo André, no ABC Paulista. “Estamos fazendo uma revolução na companhia, olhando menos para o canal de vendas, se é online ou offline, e mais para o cliente final.”

A revolução citada por Falco, um executivo que já comandou a empresa de telefonia Oi, se expressa em números e nomes. Há três meses, a CVC passou a se chamar CVC Corp. Não foi apenas uma simples mudança de nomenclatura. A nova estrutura operacional reúne seis empresas sob o mesmo guarda-chuva. Cinco delas – RexturAdvance, Submarino Viagens, Experimento, Trend e Visual – foram compradas por R$ 900 milhões, entre 2015 e 2017. Esse apetite por aquisições resultou no mais intenso processo de diversificação dos 45 anos de sua história e colocou a companhia em segmentos, até então, nunca desbravados: o de turismo corporativo, o de intercâmbio cultural e, principalmente, o de vendas online. “Deixamos de ser uma empresa que oferece pacotes de férias, passagens aéreas e hospedagem de hotel para nos tornarmos uma fornecedora completa de serviços”, diz Falco.

Maré alta: o aumento da concorrência com as agências online não tirou a força das modalidades de turismo mais tradicionais, como a de cruzeiros. Na última temporada, as vendas na CVC cresceram 21% (Crédito:Divulgação)

A reinvenção da CVC fez a companhia virar o jogo em um ambiente de intensa transformação da economia. Seu modelo de operação era extremamente ancorado em lojas físicas e patinava à medida que agências brasileiras e internacionais, como Decolar.com, Hotel Urbano, Booking.com e Expedia, cresciam exponencialmente. Muitos analistas acreditam que a companhia, fundada em 1972 pelo empresário Guilherme Paulus, teria destino semelhante ao de locadoras de vídeo e de orelhões públicos. Em vez de se acomodar no modelo de negócio que deu certo durante quatro décadas, a empresa partiu para novas frentes de atuação. Essa diversificação realinhou a CVC e turbinou suas vendas. Hoje, um terço de seu faturamento vem do segmento corporativo, área em que a empresa começou a atuar somente em 2015. “A concorrência nos obrigou a ser mais ágeis, mais inteligentes, mais eficientes”, disse Paulus à DINHEIRO, maior acionista individual da operadora de turismo, com 7,1% das ações, e membro de seu Conselho de Administração. “Hoje, com a diversificação dos negócios em vários segmentos do turismo, quanto mais concorrência houver, mais esperto a gente vai ficar.”

O capital humano das empresas adquiridas nos últimos dois anos tem sido essencial para essa estratégia. O processo de integração das cinco empresas compradas pela CVC teve como premissa preservar seus respectivos fundadores e presidentes. Eles passaram a ser diretores-executivos de unidades de negócios, subordinadas à marca-mãe, a CVC Corp. A fundadora da Experimento, Patrícia Zocchio, hoje comanda a divisão de intercâmbios culturais. O empresário Afonso Louro, que fundou a Visual Turismo, assumiu a unidade responsável pelo relacionamento com fornecedores. O ex-presidente da Trend, Luis Paulo Luppa, agora dirige a unidade de produtos e serviços turísticos terrestres.

Já Marcelo Sanovicz e Luciano Guimarães, antes presidente e vice-presidente da RexturAdvance, respectivamente, pilotam a divisão de vendas corporativas, a segunda principal do grupo, atrás apenas da unidade CVC Lazer, sob a gestão do executivo Emerson Belan, ex-Coca-Cola Femsa. A única área que está sob administração de um não-fundador ou presidente é a de negócios online. O empresário Luciano Barreto, da Submarino Viagens, preferiu partir para outro projeto. O executivo Maurizio de Franciscis, com passagem por Hotel Urbano, foi recrutado por Falco para assumir essa divisão. “Nosso negócio depende de gente, de know how, de capacidade em pensar rápido”, afirma Falco. A transformação da CVC não significou a morte das lojas físicas. Ao contrário. Elas são cada vez mais fundamentais em sua estratégia.

Venda presencial: apostando no crescimento do varejo tradicional, a CVC planeja a abertura de 500 lojas (Crédito:Ag. O Globo)

Atualmente, de cada dez clientes que fecham a compra de um pacote nas lojas de rua ou de shoppings, sete iniciam a consulta e a reserva pelo site da empresa. “Por isso, não faz nenhum sentido mais ficar rivalizando loja física e digital. É tudo uma coisa só”, diz Falco. Há espaço de sobra para crescer neste formato. A empresa opera em 465 municípios, cobrindo menos de 10% do território nacional. Por esse motivo, nos próximos cincos anos, o plano de Falco é abrir 500 novas lojas – 120 delas serão inauguradas até dezembro. Formatos inéditos de loja, como o de quiosques em corredores de shoppings e o de estandes móveis, voltado a eventos itinerantes, também começarão a ser testados nos próximos anos.

“Tem gente que ainda perde tempo com esse debate de físico e digital. Boa sorte para eles.” Hoje, 60% da receita da CVC é gerada por vendas presenciais em lojas físicas, 30% pelo segmento corporativo e 10% provenientes dos demais canais, incluindo o site. O bom desempenho das lojas é atribuído, principalmente, às categorias tradicionais de viagens, como a de cruzeiros marítimos. Contra a maré da crise, as vendas nessa modalidade na temporada 2017/2018, que termina em março, cresceram 21%, com 124 mil turistas.

A forma como os seis mil vendedores da companhia atuam também passou por uma transformação. De acordo com Emerson Belan, da unidade CVC Lazer, os serviços adicionais, que incluem locação de carro, venda de ingressos, seguro-viagem e passeios, passaram a ser ofertados de forma mais intensa e resultaram em um aumento de 40% no valor médio da venda. Os “chicletinhos”, como são chamados na empresa esses serviços, geraram uma receita adicional de R$ 500 milhões no ano passado. “Essa é a base da estratégia de negócio da CVC Lazer diante do acirramento da concorrência, especialmente nos canais digitais”, afirma Belan. Atualmente, o tíquete médio da CVC é de R$ 1,3 mil. Outro pilar da reestruturação da companhia foi a tecnologia. Um grande banco de dados com informações de clientes cruza hábitos de consumo, gasto médio, preferência de destinos e locais nunca visitados para, intuitivamente, sugerir ao cliente o melhor pacote de serviços. “Menos de 2% dos brasileiros falam uma segunda língua, 70% entram na loja sem saber para onde quer ir e mais de 90% nunca pisaram fora do Brasil”, diz Belan.

Guilherme Paulus, fundador e principal acionista da CVC: “A concorrência nos obrigou a ser mais ágeis, mais inteligentes, mais eficientes” (Crédito:Gabriel Reis)

Todo esse trabalho está sendo recompensado pelo mercado. Desde que abriu o seu capital, em dezembro de 2013, os papéis da CVC valorizaram-se 311,4%. No mesmo período, o índice Ibovespa, o principal da bolsa brasileira, avançou apenas 64,6%. O valor de mercado da operadora de turismo mais do que dobrou no ano passado, quando as ações subiram 107%. Atualmente, a companhia vale R$ 8,1 bilhões – na época do IPO, seu valor era de R$ 2 bilhões. “A estratégia da companhia tem sido muito bem-sucedida”, diz Anand Kishore, gestor de renda variável da Daycoval Asset Management. “Nossa aposta é que as ações da CVC subam cerca de 30% neste ano, contra 18% do índice Ibovespa.” Soma-se a isso a constatação de que os ventos voltaram a soprar a favor da recuperação do consumo. Para a diretora de varejo da consultoria Nielsen, Daniela Toledo, os brasileiros estão, gradualmente, voltando a comprar itens não essenciais, depois de dois anos de pé no freio. “O varejo de produtos e serviços está sentindo uma ligeira reação dos gastos das famílias, desde itens como iogurte e cappuccino, de maior valor e que haviam sido excluídos da lista nos últimos anos.”

O novo plano da CVC contou também com o fator sorte. Apesar de ser considerado a grande tendência do futuro, as vendas online nunca decolaram. Dos R$ 65 bilhões movimentados pela indústria do turismo no ano passado, 26% foram realizadas pela internet. Na CVC, esse percentual está abaixo de 10%. “A CVC demonstrou muita resistência e dificuldade em incorporar o digital em sua rotina de negócios”, diz o consultor Vitor Suzaki, analista de investimentos da Lerosa Corretora de Valores. A analista de pesquisa da Euromonitor International, Marília Borges, concorda. “O modelo de negócios da CVC depende mais do mercado tradicional de vendas de pacotes e, por isso, durante a crise econômica conseguiu se manter forte com boas negociações com fornecedores.”

Esse bom desempenho não significa que a CVC vai descansar – ou sair de férias. “As dificuldades e desafios enfrentados pela CVC nos últimos anos se tornaram em aprendizados para que hoje pudéssemos comemorar os melhores resultados da história”, diz Paulus, que também comanda seu próprio negócio, o GJP Hotels e Resort, grupo de hotéis que faturou R$ 250 milhões em 2017. Falco garante que o plano de voo ainda está incompleto. “Estamos comprando duas empresas por ano, em média, e seguiremos nesse ritmo”, afirma o executivo. “Ainda não atuamos no mercado de viagens de luxo e no de eventos, além de não estarmos com operações próprias fora do Brasil”, diz o executivo. Para um bom entendedor de viagens, meia palavra basta.