O famoso clichê “o que acontece em Las Vegas, fica em Las Vegas” definitivamente não está nos planos da multinacional americana Adobe. Na segunda quinzena de março, o presidente global da Adobe, o indiano Shantanu Narayen, e o vice-presidente, Brad Rencher, voaram até a cidade mais populosa do Estado de Nevada. A dupla não estava lá para brincar ou passar seu tempo nos populares cassinos. Ao contrário. Eles se apresentaram no pomposo auditório do hotel The Venetian, o segundo maior do mundo. Milhares de convidados estavam lá apenas para ouvi-los e entender os próximos passos da estratégia digital da companhia.

DIN1012-adobe2“Nós mudamos os rumos de negócio da companhia e transformamos a empresa”, disse o CEO da Adobe em uma conversa com os jornalistas, depois de sua apresentação. “Uma grande companhia deve saber quando mudar. Enxergamos uma grande oportunidade no modelo de computação em nuvem.” Líder isolada no fornecimento de softwares para editoras, agências de publicidade e produtoras de vídeo, a Adobe nadava de braçada nos anos 2000. Em 2007, suas ações atingiram o pico na bolsa eletrônica Nasdaq, cotadas a US$ 47,88. Mas desde então, uma série de fatores a levaram ladeira abaixo.

A crise financeira global teve um impacto forte na empresa, como em todas as outras. Mas o que foi determinante para derrubar o valor de seus papéis foi uma briga com Steve Jobs. O fundador da Apple tirou o popular Flash de todos os seus produtos, alegando que ele era inseguro. O iPhone, lançado em 2007, por exemplo, não rodava o reprodutor de mídia. A empresa da maçã, naquela época, era a principal parceira comercial da Adobe. Durante dois anos, a Adobe viveu sobre forte pressão dos investidores e teve seu futuro questionado.

A mudança começou em 2009, sob a batuta de Narayen. Desde então, a companhia deixou para trás sua imagem construída à sombra da popularidade de softwares de criação e distribuição de conteúdo eletrônico, como o Photoshop e o Flash, e formatos de documentos, como o PDF, para se lançar com todas as forças na computação em nuvem. Neste modelo, as caixinhas de software desaparecem. O consumidor faz uma assinatura e paga uma mensalidade para usar o sistema, que está localizado em algum computador dentro de algum data center em algum lugar do planeta.

“Enfrentamos grandes desafios e barreiras tecnológicas para entrarmos no modelo de computação em nuvem”, diz John Mellor, vice-presidente de estratégias, alianças e marketing da Adobe. Não se trata de uma transição fácil. Todas as empresas de software, neste momento, lutam para migrar seu modelo de negócio para o de computação em nuvem. A vantagem da Adobe é que ela atua em um nicho muito específico na qual tem ampla margem sobre seus competidores. Para aposentar as caixinhas de software, no entanto, a Adobe resolveu colocar a mão no bolso e saiu às compras.

Desde 2009, ela adquiriu oito empresas, que ajudaram a desenhar suas soluções na nuvem. A primeira delas foi a Omniture, uma companhia de análise de dados na internet, pela qual desembolsou US$ 1,8 bilhão, há oito anos. “A necessidade de reinvenção da Adobe está atrelada aos avanços do Google, que destruiu o modelo de vendas por software”, diz Roger Kay, consultor da americana Endpoint Technologies Associates. “Além disso, as constantes transformações tecnológicas exigiram da empresa atualizações mais periódicas e um serviço com mais segurança.” A nova postura da Adobe começou a dar resultados em 2011.

Plataforma digital: o número de usuários do Adobe Creative Cloud, que contém programas como o Photoshop, atingiu 6,6 milhões em 2016
Plataforma digital: o número de usuários do Adobe Creative Cloud, que contém programas como o Photoshop, atingiu 6,6 milhões em 2016 (Crédito:Divulgação)

Naquele ano, sua receita passou de US$ 3,8 bilhões para US$ 4,2 bilhões, impulsionada justamente pela adesão nos negócios de mídia digital e marketing digital. Com o modelo mais maduro, a Adobe transferiu todos os seus negócios para a nuvem em 2012, quando extinguiu a venda de CDs, a mídia usada para transferir para o computador os softwares da companhia. Desde então, todos os seus produtos são consumidos e atualizados digitalmente. O Adobe Creative Cloud, que reúne todas as soluções para profissionais da área de criação, como fotógrafos, cineastas e designers, tinha 1,4 milhão de assinantes em 2013. No ano passado, eram 6,6 milhões.

Com isso, os investidores voltaram a viver uma nova lua de mel com a Adobe, pois perceberam que os esforços de gestão estavam dando resultado. Seu valor de mercado saltou de US$ 16,3 bilhões, em 2011, para US$ 63,79 bilhões, em 2016, uma alta de 283,6%. O índice S&P 500, uma espécie de Ibovespa americana, valorizou-se 73%, no mesmo período. “Para ter sucesso em uma mudança tão brusca nos negócios, a companhia precisa estar atenta à demanda do mercado digital”, diz Pietro Delai, analista da consultoria americana IDC. O banco brasileiro BTG exemplifica como a Adobe conseguiu se ajustar aos novos tempos.

Desde 2014, a instituição financeira começou a construir sua plataforma de investimento digital. “Fechamos o contrato com a Adobe justamente por eles oferecerem uma plataforma completa, com todos os recursos necessários para os avanços de longo prazo que estudamos”, diz o sócio do BTG Marcelo Flora, que lidera o projeto, que conta com uma equipe de 48 pessoas. “Nossa economia será muito maior do que se tivéssemos contratados empresas que focam em apenas um modelo”, afirma Flora. Esse é um sinal de que manter a cabeça na nuvem, pelo menos para a Adobe, pode gerar muito dinheiro.

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Leia a entrevista com o executivo John Mellor