A City londrina vive dias de aflição, numa crise sem precendentes que pode colocar em colapso a sua praça financeira, conhecida como uma das mais pujantes do mundo e que agora sofre com a migração de bancos a cruzar o canal da Mancha para se instalar em Paris após o esvaziamento dos negócios causado pelo desastre do Brexit. Em resposta, ela se mexe, com o governo anunciando pacotes de novas normas para o sistema financeiro, baixando impostos, incentivando tecnologia e buscando parceiros que, com ela, resgate o prestígio de outrora. O Brasil, com a sua estabilidade bancária e os instrumentos extremamente modernos de operação dos quais dispõe, se apresenta como alternativa. Fato inconteste: os mecanismos lançados pelo BC brasileiro rumo ao open finance encharam os olhos e despertaram o interesse de brokers a senhores do capital da City londrina nessa luta para garantir status e relevância. A expertise verde-amarela desenvolvida e aplicada no âmbito dos instrumentos monetários digitais pode ajudar em muito à empreitada inglesa e fazer jorrar dinheiro aos bilhões nessa via de comércio bilateral. O Brasil, ao se converter num líder global de transações com Pix, disparou na dianteira tecnológica e vem conquistando espaço em outras modalidades, regularizando o open insurance e o seu mercado de criptos. O Reino Unido, de olho nos bons resultados do parceiro, sonha capturar mais desse know-how para seguir como referência na área. Fala em compra e importação de tais ferramentas e em mais acordos bilaterais.

O aceno vem de ninguém menos que Robert Wigley, presidente da UK Finance, espécie de Febraban local. Ele informa que os negócios entre os dois países no plano financeiro ainda são residuais, da ordem de 235 milhões de libras ao ano, e que podem evoluir para a casa dos bilhões rapidamente. “Temos muitas oportunidades aqui para a colaboração entre nossos dois países, muitos valores comuns”, afirmou. “Precisamos trabalhar juntos.” Não é, decerto, um convite desprezível. Apesar dos pesares, Londres desponta historicamente com destaque na atividade, um típico hub planetário — principalmente da Europa — nas transações financeiras. Responsável em boa parte pelo encanto dos britânicos com o modelo aqui dos trópicos, Roberto Campos Neto, titular do BC em Brasília, concorda que as experiências em andamento abrem portas. “Estamos inovando e revolucionando os serviços monetários e todos estão de olho”, afirmou.

Wigley e Campos Neto estiveram juntos justamente durante a última edição do Lide Brazil Conference, o fórum de discussões macroeconômicas e sociais, realizado semanas atrás pelo Grupo de Líderes Empresariais, que já está virando ponto de convergência de atores da economia internacional tamanha a dimensão que tomou em encontros regulares e propositivos para acertar negócios e afinar interesses — nas edições anteriores, em Nova York e Lisboa, a procura foi tanta que os organizadores tiveram de limitar a participação. Wigley, nessa oportunidade na qual aproveitou para conversas reservadas com Campos Neto, Isaac Sidney, da Febraban, e Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho do Bradesco, tratou de realçar o quão importante estão se tornando os serviços financeiros em tempos de economia interligada na rede. “Aqui já representamos 10% do PIB. É a área de exportação mais importante que temos”, disse Wigley à DINHEIRO. O banqueiro enxerga alternativas de ação conjunta principalmente no que se refere ao combate à ameaças cibernéticas. “Estamos cada vez mais focados no enfrentamento aos ataques do sistema.” No Reino Unido, atualmente, os bancos possuem um mecanismo de comunicação just in time para tais casos e rapidamente identifica de onde vem qualquer ofensiva de hackers.

O presidente do Banco Central da Espanha e da Associação de Bancos da Basileia, Pablo Hernandez, também participante do think tank do Lide, diz que dentre os atributos-chave para políticas econômicas sustentáveis está justamente o de um círculo regulatório global capaz de barrar a invasão desses saqueadores da rede. “A cooperação internacional e o alinhamento de padrões, como buscam Brasil e Reino Unido, é o caminho mais eficaz nesse aspecto.” Para Hernandez, a estabilidade monetária do mundo, após a Covid, está cada vez mais a depender de sistemas padronizados de serviços bancários e pressupõe, segundo ele, instituições supervisoras e de autoridade monetária independentes.

JUROS ALTOS Seu recado tinha direção clara após as críticas do presidente brasileiro, Lula, à autonomia com que Roberto Campos e seu time vinham arbitrando as taxas de juros. Em Londres, a questão dos juros estiveram em evidência após o próprio presidente do Senado brasileiro, Rodrigo Pacheco, ter dito que esse era assunto fundamental a ser resolvido no curto prazo. O titular do BC ouviu a queixa sentado diretamente da plateia e respondeu no dia seguinte em sua exposição dizendo que ninguém, nem o BC, gosta de uma Selic nas alturas. Os players da banca presentes na missão a Londres são unânimes em apontar a competência do titular do BC nacional. Com a prudência necessária acham mais importante no momento encarar com rapidez as oscilações do mercado de criptos, muito fragmentado, após dois invernos seguidos de sacolejos nessas moedas que abalaram a credibilidade das operações. “Precisamos estar conscientes de que esse campo financeiro ainda é muito imaturo, apresenta riscos altos e está a exigir revisões profundas no modo de funcionar”, alertou o representante da associação dos bancos da Basileia. “A experiência dos abalos sentidos nos últimos tempos evidencia como é preciso ver essa questão como prioritária.”

Com ele concorda a ministra de Estado de Finanças e Comércio do Reino Unido, Nusrat Ghani, que enxerga uma avenida de oportunidades de lado a lado entre o Brasil e o Reino Unido, não apenas no plano financeiro como também no agronegócio. “Podemos ter um futuro de investimentos e de comércio juntos muito eficaz, criando compromissos compartilhados”, disse Ghani. Para ela, fundamentos políticos como o da liberdade social, do estado de direito e da democracia representativa auxiliam no incremento de um comércio crescente e energizado. “É pela inovação tecnológica que teremos uma faísca de lucidez na praça, com a ajuda decisiva dos empreendedores que estão trabalhando na área financeira e na de inteligência artificial.”

Não tem jeito, o Reino Unido está mesmo convencido de que a banca ainda irá ditar o mundo do amanhã e deseja ver firmado um acordo de ganha-ganha com o Brasil, que promova um protagonismo financeiro de ambos no concerto das nações. A proposta é boa. Da mesma natureza daquela fechada tempos atrás para evitar a bitributação dos produtos nesse corredor de comércio. “Estamos priorizando a ratificação do acordo Brasil-Reino Unido nesse sentido, fazendo progressos multilateralmente”, afirmou Ghani. Quem cuida diretamente do tema é Marco Longhi, parlamentar britânico que atua como adido e enviado especial do primeiro-ministro para assuntos da América Latina. Longhi, que aponta conferências como a do Lide como ponto de partida para uma maior aproximação empresarial ­— “que esteve por décadas esquecida” — reclama não ser aceitável a balança de comércio bilateral ser cinco vezes menor, em média, do que a praticada entre o Brasil e outros parceiros europeus como França, Itália e Espanha. “Considero uma vergonha a situação, mas enxergo oportunidades fantásticas nesse sentido e o pendor para as finanças é um grande apelo a nos unir.”