Alguns se saem bem, outros nem tanto e outros se dão mal. Refugiados na Turquia, os sírios sonham voltar ao seu país, mas não pensam fazê-lo enquanto Bashar Al Assad estiver no poder.

Dos cerca de 5,6 milhões de sírios que se exilaram desde o início do conflito naquele 15 de março de dez anos atrás, mais de 3,6 milhões se refugiaram na Turquia, alterando profundamente a demografia de províncias fronteiriças turcas, como Gaziantep e Hatay.

Segundo cifras oficiais, em Gaziantep há cerca de 450.000 refugiados sírios – ou seja, um em cada cinco habitantes da cidade é sírio.

A maioria é originária da cidade martirizada de Aleppo, a 110 km do outro lado da fronteira, e daquela região.

Abtini deixou Aleppo em 2013 juntamente com os pais, os irmãos, a esposa e os filhos “para fugir dos barris de explosivos do regime, lançados sobre o nosso bairro”. Um dos seus irmãos morreu em um destes bombardeios.

– Abandonar tudo –

O negócio está no auge, admite Abtini, mas ele não hesitará em voltar à Síria se o regime for deposto. “Deixamos para trás negócios, casas e um grande sítio”, explica.

Nesta parte da avenida Inonu, mais conhecida pelo nome de bazar iraniano, a maioria dos comércios é administrada por sírios, embora os nomes nas fachadas das lojas estejam em alfabeto turco, como determina a lei.

Em sua pequena barbearia, Mohamad Abu Al Nar, de 28 anos, e seus clientes recriam o mundo, fazendo conjecturas sobre os possíveis resultados do conflito.

“Se voltar para casa agora, me prendem e ninguém vai saber de mim, sobretudo porque sou um desertor do exército e há muitos como eu na Turquia”, diz o barbeiro, enquanto apara com a tesoura a cabeleira grisalha de um cliente.

– Talvez um dia –

Embora os comerciantes da avenida Inonu tenham construído vida nova em Gaziantep, outros sírios também vivem ali em condições diferentes.

É o caso de Zeina Alawi, que perdeu o marido em um atentado em 2014. Ela mora com as quatro filhas e os dois filhos em um apartamento miserável em um bairro igualmente miserável não muito longe do centro da cidade.

A pandemia fez desaparecerem seus trabalhos ocasionais e ela depende de doações para alimentar a família e pagar o equivalente a 60 dólares de aluguel.

Aquecido com uma estufa a carvão, o cômodo principal do apartamento é mobiliado com dois colchões e um velho sofá listrado. Sem perspectivas de voltar à Síria, ela lembra do seu país com saudades.

Ahd Al Wali, vendedora e confidente de muitas famílias sírias do bairro, deixou Aleppo com o filho único em 2014, um ano depois da morte do marido, que lutava contra as forças do regime.

“Como vou voltar para lá (agora)?”, pergunta-se a mulher síria de 39 anos em sua pequena loja, onde o fiado é o meio de pagamento preferido por sua indigente clientela síria.

“Eu posso me imaginar caminhando pela rua, ver seu retrato pendurado em meio à destruição que ele mesmo causou, para não falar das crianças e mulheres que ele matou? É lógico que não”, acrescenta.

Uma inscrição em inglês colada em uma parede perto da loja de comestíveis parece resumir os sentimentos do povo sírio sobre a volta para casa: “Maybe one day”. Talvez um dia.