Nas séries de TV, é raro que as sucessivas temporadas consigam superar a primeira em termos de repercussão e audiência. Mesmo as sequências capazes de prender a atenção do espectador ansioso por uma experiência similar à original, acabam, em algum momento, provando que é impossível causar maior impacto. Por isso mesmo, uma série que começa mal quase nunca tem a chance de chegar à segunda temporada. Se Paulo Guedes soubesse disso, teria caprichado na trama da primeira parte de sua aguardada reforma tributária – que ele decidiu apresentar em capítulos. Sem ter recebido aplausos na estreia, resta ao ministro da Economia urdir um roteiro mais convincente. Ao menos, o suspense ele já criou. A segunda parte da reforma tributária será lançada na próxima semana e pretende ser a tábua de salvação para reanimar o mercado. Mas há um problema nos bastidores dessa superprodução. Com o diretor (Guedes) e o protagonista (Bolsonaro) discordando sobre o enredo, é provável que o resultado seja, mais uma vez, decepcionante.

Em Brasília, assessores ligados ao ministro Paulo Guedes afirmam que a ideia de apresentar uma proposta em quatro etapas tem o objetivo de facilitar a compreensão do Congresso e garantir a aprovação. Ao lado de Bolsonaro, militares defendem o envio de um único pacote, contendo a proposta integral, para que a oposição não consiga obstruir todos os pontos de uma vez – como pretende fazer na reforma em etapas. No meio de tudo isso, o empresariado segue atento aos desdobramentos para entender se pagará mais imposto e, em caso positivo, se isso servirá para diminuir o déficit público ou sustentar algum benefício social.

Para tentar entender o que está por vir, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), personagem que pode assumir um papel central na trama, decidiu criar seus próprios
diálogos. Ele esteve em São Paulo para conversar com o economista Bernard Appy, autor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, que trata sobre a reformulação da estrutura tributária do País. O objetivo, segundo o próprio parlamentar, era compreender melhor que efeitos as medidas poderiam ter na economia e na sociedade civil. Depois da conversa, um encontro com representantes do mercado serviu para que Maia mapeasse a expectativa da crítica (no caso, os agentes econômicos) com as mudanças aventadas pelo governo federal. À DINHEIRO, o deputado afirmou que essas conversas com o mercado funcionam como um termômetro. “Foram frutíferas, até para que eu veja os efeitos da primeira parte da proposta”, disse Maia. Na etapa já enviada pelo governo ao Congresso, foram unificados o PIS e Cofins, resultando em um tributo chamado Contribuição de Bens e Serviços (CBS).

“Conversar com empresários é importante para medir o impacto das mudanças fiscais no País.” Rodrigo Maia (DEM-RJ), Presidente da Câmara. (Crédito:Walace Martins )

É PRECISO MAIS Sobre a conversa com Appy, Maia afirmou que o economista é um defensor de uma reforma mais ampla, que mexa nas bases estruturais do sistema tributário brasileiro. Com a reforma de Guedes sendo encarada como branda, Rodrigo Maia admitiu que mudanças podem ocorrer no Congresso, e algumas delas se dariam no âmbito do Pacto Federativo, outra proposta de Emenda Constitucional, mas que altera parte das relações entre os entes da República. O deputado, no entanto, não detalhou que pontos estariam na linha de alteração.

Na avaliação do economista e ex-deputado e Luiz Carlos Hauly, autor da PEC 110/2019 – umas das propostas de reforma tributária em andamento no Legislativo –, a pauta do atual governo não difere das encenadas em gestões anteriores. “Nos últimos 30 anos, foram 17 ‘reformas fatiadas’. A carga tributária aumentou de 22% para 35% (sobre o Produto Interno Bruto) no período”. Para ele, em 30 anos, apenas duas mudanças foram positivas: a criação do regime Super Simples (2007) e a desoneração de ICMS para exportação de commodities (1996).

Defensor de que o Legislativo faça alterações no texto de Guedes, o secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, que também é coordenador nacional dos secretários da pasta, criticou a proposta apresentada pelo governo. Para ele, além de tímida, ela não atinge o problema central, que é a arrecadação dos estados e municípios. “A proposta dos estados é de um IVA amplo”, afirmou Padilha. De acordo com o economista, o governo federal apenas facilitou a própria sobrevivência, sem pensar na harmonia entre os entes da federação. “Hoje, a União só se preocupa em resolver os problemas dela, cria CBS, depois CPMF e vida que segue. Não pode ser assim”. Como na TV, a sequência de uma obra que não fez sucesso dificilmente será capaz de merecer elogios.