Chacrinha dizia que na TV nada se cria, tudo se copia, e talvez essa máxima também valha para políticas de estímulo ao emprego. Na última semana a Câmara, em mais um exemplo de texto aprovado a toque de caixa e cheio de jabutis, resolveu fazer mais uma reforma trabalhista. O projeto, que agora tem até 7 de setembro para ser aprovado no Senado, traz pelo menos oito pontos que aumentam a insegurança jurídica para empregados e empregadores, além de “criar” um programa de recrutamento de jovens que deu (muito) errado em 2003.

O pacotão aprovado na Câmara veio com a deixa do Programa BEM, que permitia a redução de jornada e salários na pandemia, e ganhou contornos de uma nova reforma trabalhista. Principalmente por querer abrir uma política de estímulo ao emprego de jovens até 29 anos e pessoas com mais de 55 anos. Para isso foi criado o programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore). Nesse contrato, os empregadores possuem desconto na contribuição do FGTS e multas reduzidas em caso de demissão, além de uma contrapartida do governo para composição dos salários. As diretrizes são exatamente as mesmas do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para Jovens (PNPE), lançado em 2003. Em seu primeiro ano, a meta era gerar 70 mil vagas — menos de 3 mil foram abertas. Na época, o governo também destinou para subsídio cerca de R$ 189 milhões, mas apenas 0,89% foi executado. E o motivo foi a desconfiança dos empresários e a morosidade do governo em liberar o auxílio.

550 reais é o teto do salário por meio do Priore, forma de contrato que retira pagamento de férias, 13o salário e Previdência 

Para Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e professor da faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) os projetos são basicamente o mesmo. “O governo é quem subsidia o posto de trabalho”, disse. A questão principal, agora, é como o time de Bolsonaro agirá para ter resultado diferente do de Lula. Para Carla Lúcia Martins, professora de macroeconomia da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Unesco no grupo de trabalho do emprego conta que, como está hoje, a medida não ajuda nem o jovem, nem o empresário. “O jovem, mais do que primeiro emprego, precisa de qualificação e não há nada nesse sentido na reforma”, disse. Com relação aos empresários, ela afirma que a insegurança jurídica e o medo de ser acionado na Justiça impede que as grandes empresas — que teriam condições de contratar e capacitar — se afastem dessa modalidade. “Essa empresa não precisa de auxílio do governo, precisa de segurança jurídica. E não há.”

ENTENDENDO O PROBLEMA Capacitação de jovens é mais importante que subsídio a salário. (Crédito:Divulgação)

O relator da Medida Provisória (MP) 1.045 é o deputado bolsonarista Coronel Tadeu (PSL), que vê nas mudanças a melhor forma de “ajudar os empresários a manter os empregos depois de dois anos difíceis da pandemia”. No texto que define o Priore, consta que o pagamento de bolsas de até R$ 550, sem benefícios como férias, 13o salário e registro na Previdência Social.Segundo Carla, da Unesco, até os países desenvolvidos têm hoje um problema com a empregabilidade de jovens, mas flexibilizar os direitos trabalhistas não resolve essa questão. “O governo oferece mão de obra mais barata quando deveria estimular que a capacitação da mão de obra eleva o faturamento das empresas.” Carreli concorda e enxerga outro problema. “Em um cenário de possível retomada da economia pelo fim da pandemia, o empresário pode ocupar esses novos postos, que já seriam criados de qualquer forma, com contratos precários e subsidiados.”

3 mil vagas foi o que Lula conseguiu com projeto similar ao priore. O governo petista esperava 70 mil novos empregos

PONTOS DE ATENÇÃO Além do Priore, a reforma criou um novo modelo de contratação sem carteira assinada (Requip), igualmente sem os direitos trabalhistas e previdenciários, oferecendo apenas uma bolsa e vale-transporte. Outras mudanças foram a redução do pagamento de horas extras para jornalistas, operadores de telemarketing e bancários e a criação de um novo modelo de vínculo empregatício, regido pelo Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário — nele, os adeptos abrem mão de salário, férias, 13º e FGTS, recebendo apenas vale-transporte. O advogado do trabalho Caíque Pessanha explica que esse pacote todo dificulta o acesso à Justiça gratuita para trabalhadores e inibe a fiscalização trabalhista. “Boa parte dessas medidas já estava no contrato de trabalho Verde e Amarelo, mas foram revogadas após pressão das categorias sindicais”, afirmou. Agora o Congresso quer ressuscitá-las.