“Uma empresa que não é feliz é uma empresa destinada a falir!”

Essa afirmação marcou a conversa bastante informal que tive o privilégio de conduzir na abertura do II Global Learning Forum, promovido pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), na semana passada. A frase foi proferida pelo icônico sociólogo italiano Domenico De Masi, professor de Sociologia do Trabalho na Universidade de Roma “La Sapienza”, que conquistou projeção mundial a partir do seu best seller O Ócio Criativo.

Para mim essa frase soou como música pois, desde que criei o conceito de “Clientividade”, venho afirmando que o melhor marketing começa dentro de casa. Afinal, não existe cliente encantado em empresas com pessoas infelizes. Esse ciclo virtuoso começa nos quadros das empresas, se reflete diretamente no desenvolvimento e oferta de produtos e serviços que tornam consumidores felizes, passando pela inovação, e culmina em uma sociedade mais feliz.

Nesse sentido, os líderes, que lidam cada vez mais com os responsáveis pelo trabalho criativo e idealizador, ganham protagonismo na administração das empresas. Devem ser mediadores entre as realidades da sociedade e das organizações, com a missão de equilibrar os componentes de ambas em um contexto de humanização. Estamos falando de um grande salto que as corporações precisam dar. É preciso fortalecer a dimensão humana em relação à produtiva e financeira. Por conta disso, os gestores do RH, com coragem e amplo conhecimento cultural, devem ser os “guardiões da felicidade”, segundo De Masi.

Por esses motivos, tenho tanto insistido que os líderes de Marketing andem de mãos dadas com as lideranças do RH e não de costas um para o outro, como presenciamos na maioria das organizações.

A visão compartilhada pelo professor, diretamente da sua casa em Roma, abre importantes reflexões para o papel dos líderes na construção do futuro, em um conceito muito mais abrangente em relação ao que é considerado atualmente.

O ponto de partida é o momento singular que estamos vivenciando por conta da Covid-19. E nem poderia ser diferente. Afinal, a pandemia desnudou muitas fragilidades que temos enquanto indivíduos, bem como nas esferas das famílias, organizações, comunidades e da sociedade como um todo. Além de apontar vulnerabilidades da humanidade, aproximando de todos uma ameaça real, De Masi afirma que o vírus se tornou o sombrio mestre de uma espécie de seminário mundial, nos ensinando várias lições.

A primeira é o senso de união, que se multiplica em camadas, englobando pessoas, seus familiares, amigos e comunidades. Esse movimento se dá em uma relação de tempo e espaço invertida. Antes, tínhamos muito espaço e podíamos cruzar o planeta, mas não havia tempo disponível, o que gerava estresse. Hoje, ficamos restritos a um espaço limitado, porém, com maior tempo. Segundo o professor, esse processo ressignifica muitos conceitos, abrangendo:

A) Lidar com as consequências da vida no mundo globalizado

B) Priorizar o que é realmente necessário

C) Compreender a importância do bem-estar social

D) Mostrar capacidade de adaptação para novas formas de aprendizado e treinamento à distância

E) Manter comunicação adequada, especialmente em momentos críticos

F) Colocar em prática o senso de ajudar e fazer parte das soluções

Todos esses pontos se encaixam tanto na esfera da vida pessoal quanto da atuação no mundo corporativo. O home office, por exemplo, não é novidade, mas um retorno saudável a um modelo que existia séculos atrás e que foi rompido pela Revolução Industrial. Artesãos, agricultores, padeiros, contadores, médicos e advogados, entre outros profissionais trabalhavam em casa.

Ganhamos ainda a noção de que algumas ciências “podem ser exatas, mas não exatíssimas”. Desta forma, De Masi mostra a necessidade de maior tolerância aos erros nas tomadas de decisões. Nesse sentido, o professor eleva a inovação a um novo patamar, ao considerar que ela só é positiva e desejável quando determina a felicidade de um número grande de pessoas.

É nesse aspecto que reside a maior provocação deixada pelo sociólogo italiano. Em uma concepção mais ampla, precisamos ressignificar também o propósito das empresas. As organizações precisam assumir seu papel na construção do futuro do planeta e não podem se dar ao luxo de atuarem em um contexto paralelo ao da sociedade na qual estão inseridas. Os líderes devem entender que esse papel corporativo vai muito além da burocrática, protocolar e, por vezes, insuficiente Responsabilidade Social Corporativa (RSC).

Não é mais possível deixar de considerar que, em última instância, o cliente de toda a empresa é a sociedade e o modelo de operação das organizações deve criar benefícios que extrapolem a mera oferta de produtos e serviços aos consumidores. Não à toa, o primeiro requisito para constituir uma empresa é sua “razão social”. E isso transcende completamente um simples nome.

Em um mundo cada vez mais complexo e de demandas crescentes por todos os lados, o desafio das lideranças ganha dimensões inéditas na mesma proporção. Provavelmente por este motivo, a abordagem do professor De Masi está longe do técnico. Assim, ao invés de evidenciar a maneira de “como fazer” no presente, ele coloca no centro das atenções dos líderes “como pensar” a construção do futuro. Mais uma vez, vale a máxima: é preciso se transformar para ser um agente da transformação que sua empresa necessita!

*  César Souza é fundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia Empresarial, Desenvolvimento de Líderes e na estruturação de Innovation Hubs. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige”