A economia e a política brasileiras são viciadas em certos padrões. Na política, só se elegem figuras populares e só se reelegem se incluírem discursos populistas. Na economia, a redução de determinados tributos se tornou remédio para todo sinal de enfraquecimento da atividade. Historicamente, as renúncias e desonerações fiscais, como a promovida pelo governo Jair Bolsonaro recentemente, surgem de um discurso populista de baratear o preço para o consumidor, argumentação que é difícil sustentar quando olhado o cenário amplo. A diminuição da arrecadação federal não necessariamente compensa os eventuais ganhos em vendas e o retorno proveniente da geração de empregos tem sido basicamente nulo. Para o Estado, as benesses, quando aplicadas de forma generalizada, resultam em descontrole das contas públicas de modo imediato.

Então, se elas não têm poder de diminuir substancialmente os preços e não há comprovações históricas de elevação do emprego, porque essas medidas são tão frequentemente adotadas? A resposta reside na narrativa. Acostumou-se a acreditar no Brasil que, ao tirar o peso do estado das costas do empresário, o resultado é uma conta matemática exata, como dois mais dois. Mas não funciona assim. Fragilizado pela crise que se intensificou com a pandemia de Covid-19, mas que se arrasta desde 2014, o empresariado tem segurado aumentos. Quando se sinaliza a diminuição da carga tributária, ainda que temporariamente, a decisão será recompor a margem, não diminuir o preço.

Para entender como a redução do IPI afeta a economia, o ex-pesquisador do IPEA Fernando Veléz se debruçou sobre o tema. Ao analisar a desoneração de 2009, o economista descobriu que antes da redução do IPI, cada R$ 1 milhão gasto na produção de carros exigia 25 empregos. Com a renúncia, a cada R$ 1,25 milhão, os mesmos 25 postos foram mantidos. No que diz respeito às vendas, 13,9% das compras feitas entre janeiro e junho de 2009 se deram pela redução do IPI, mas o estímulo estava mais atrelado a uma forte campanha promocional do que à medida em si. “O volume do desconto não diferia muito dos que já eram praticados.”

Para a versão de 2022, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, disse que a redução não chegará na ponta. “As empresas estão com margens apertadas há muitos anos, antes da crise de 2020, e a pressão de custos acaba fazendo com que os repasses sejam menores”, disse. “Isso causa impacto fiscal sem realmente trazer alívio relevante na economia.” O decreto do presidente Jair Bolsonaro reduziu em 18,5% a alíquota dos automóveis e em 25% a dos demais produtos, com a exceção do IPI sobre tabaco e derivados. Ano passado, o imposto respondeu por uma arrecadação de R$ 75 bilhões.

BRASIL DE HOJE Segundo estudo feito pela Instituição Fiscal Independente (IFI) o custo da redução será de R$ 15,9 bilhões entre março e dezembro deste ano, cifra que pode subir conforme a inflação. Desse total, R$ 9 bilhões iriam para estados, municípios e fundos regionais. Para opresidente do IFI, Felipe Salto, a decisão de baixar o IPI também se dá por seu caráter extrafiscal, já que não exige a compensação dos efeitos fiscais decorrentes de renúncias de receita, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Contudo, vale dizer, os impactos estimados são relevantes e, na ausência de medidas compensatórias, poderão afetar o déficit e a dívida pública”, disse.

NA PONTA FINAL A redução do tributo pode ser usada para recompor margens da indústra e não chegar ao consumidor. (Crédito:Divulgação)

Já fazendo os cálculos das perdas, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, criticou o pacote. “Infelizmente, se repete o velho hábito de fazer caridade com o chapéu alheio”. Segundo ele, essa forma maquiada de reduzir impostos compartilhados é utilizada por todos os governos e sempre causa grandes prejuízos aos municípios. “Trata-se de uma política que fere gravemente o pacto federativo.”

Em sua defesa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, garante que o aumento da arrecadação observado ao longo do ano passado sustenta a renúncia e “não afetará a solvência da dívida pública e o compromisso do governo federal com a consolidação fiscal.”

Mas felizes mesmo ficaram os industriais. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) informou que “a elevada tributação sobre a indústria faz com que o total de impostos pagos pelo setor em relação à carga tributária supere, e muito, a participação no PIB”. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também elogiou a medida. “A redução do custo Brasil é benéfica não só para o setor industrial, mas também para a geração de empregos, para os consumidores e para a sociedade como um todo.” Tudo certo como dois e dois são cinco.