Tradicionalmente, a Semana Santa, este ano encerrada no domingo de Páscoa (17), é um divisor de águas do turismo no litoral uruguaio. A chegada do outono e a queda na temperatura provocada pelos ventos frios que sopram na costa atlântica deixam as praias desertas. O comércio fecha as portas e até mesmo hotéis deixam de funcionar. Mas isso está mudando com a chegada de mais brasileiros, especialmente nos arredores do balneário José Ignacio, vilarejo de atmosfera boêmia distante apenas 40 minutos de Punta del Leste. “Com a pandemia, muitos empresários de São Paulo e Porto Alegre investiram na compra de imóveis na região. Há pelo menos uma dúzia de famílias brasileiras residindo de forma permanente”, afirmou o paulista Mario Oliveira, ele também um morador de José Ignácio — mas por razões profissionais. Desde meados do ano passado ele é o general manager da Vik Retreats, uma excepcional coleção de retiros de luxo criada com a intenção de quebrar os moldes tradicionais de hotelaria e oferecer experiências exclusivas combinando arte, conforto e bem-estar. Com três décadas de experiência em gestão hoteleira dentro e fora do Brasil (boa parte na rede Sofitel), ele comandou a reabertura do histórico hotel Carrasco, cinco estrelas que reúne cassino e spa próximo ao aeroporto de Montevidéu. Agora vivendo em José Ignacio, é dele o desafio de tornar o destino acolhedor para hóspedes ao longo do ano todo e não apenas na alta temporada.

Atualmente, Vik Retreats é composta por cinco unidades: uma em Millahue, no Chile, onde também funciona a vinícola Vik; outra na Galleria Vittorio Emanuele II, em Milão, Itália, e três nos arredores de José Ignacio. “A minha chegada traz como missão aumentar o período de funcionamento de forma gradual”, disse Oliveira. O adensamento demográfico da região gerado a partir da pandemia permite, segundo ele, tornar as unidades da Vik Retreats um polo de cultura, gastronomia e aventura para os moradores e, aos poucos, para hóspedes em busca de um refúgio de luxo — precisamente a tradução mais apropriada da palavra retreats. “Este ano é o primeiro de operação na temporada de outono. Precisamos quebrar o paradigma de que José Ignacio fecha depois do verão”, afirmou.

A estratégia faz parte de um planejamento para os próximos cinco anos de reconsolidar os produtos e absorver novos negócios na América do Sul. Isso inclui a transição da grife Vik, hoje em modelo de gestão familiar, para uma companhia baseada no conceito asset light, ou seja, com uma visão de crescimento baseada em poucos ativos e na expansão da marca por meio de serviços hoteleiros em propriedades de terceiros. Hoje, as atividades no Uruguai respondem por apenas 7% da holding Alex Vik, formada por negócios em internet, software, blockchain, seguros, investimentos imobiliários e em arte, além de hotéis e vinhos. Mais recentemente o portfólio passou a incluir uma vodca feita na Noruega. Filho de mãe uruguaia e pai norueguês, Alexander Vik nasceu na Suécia, onde a família mantinha uma filial da empresa de peles criada pelo avô paterno — o materno, por sua vez, era embaixador do Uruguai em Oslo. Os pais se mudaram para as Ilhas Canárias quando Alex era adolescente. Para ter uma educação de alto nível, ele foi morar nos Estados Unidos, onde se formou em ciências econômicas na Universidade Harvard, a mesma em que conheceu a futura esposa, Carrie.

Os primeiros investimentos do casal no Uruguai foram realizados nos anos 1990, depois que Alex fez o IPO de uma empresa de tecnologia na bolsa de Nova York. Endinheirado, ele procurou primos uruguaios que atuavam no setor imobiliário e adquiriu propriedades nos arredores de José Ignacio quando o povoado ainda era uma vila de pescadores com um único barzinho pé-na-areia montado por ex-hippies, o La Huella, ainda hoje o mais badalado do vilarejo.

A 12 quilômetros dali, em uma paisagem típica do pampa, em meio a planícies e cursos d’água que formam uma laguna, a Estancia Vik foi concebida como uma propriedade particular para férias no campo. São 4 mil hectares de pastagens e matas. Nesse cenário bucólico, o arquiteto uruguaio Marcelo Daglio reinventou, em colaboração com Carrie e Alex Vik, o conceito espanhol de casa de campo colonial. A construção imponente hoje abriga as 12 acomodações abertas a hóspedes, todas com área superior a 500 m2 ­— as quatro suítes máster têm exagerados 900 m2 cada. Os detalhes impressionam, a começar pelas pinturas que adornam o teto do salão principal, cujo centro é ocupado por uma escultura de mármore de Pablo Atchugarry, de 3,5 metros de altura e 4 toneladas. Em todo o edifício, as paredes foram revestidas com massa formada por pó de conchas do mar e um tipo de musgo que cresce na região. O efeito é único: a luz do sol provoca um brilho que lembra madrepérola, enquanto o musgo confere um ar antigo ao conjunto. Ali, a tradicional parrilla para assar carnes foi montada em salão revestido de folhas de zinco pintadas pelo artista Marcelo Legrand. A adega foi feita com tijolos encaixados, sem qualquer tipo de massa, e abriga a bela coleção de rótulos produzidos na Viña Vik, eleita a melhor experiência vinícola do mundo pela revista Wine Enthusiast em 2019. Entre as principais atrações da Estancia estão as cavalgadas, uma das apostas de Mario Oliveira para atrair hóspedes ao longo do ano. “Aqui, o recurso mais abundante é o tempo. Nossa proposta é transformá-lo em um ativo de bem-estar criando aventuras”, afirmou.

PILARES A aventura, que além da cavalgada inclui canoagem e pesca na lagoa, trilhas de bicicleta e observação da fauna silvestre na companhia de um expert, é um dos cinco pilares em que a Vik Retreats se apoia. Os outros são arte, enogastronomia, bem-estar e sustentabilidade. A arte se destaca em todos os ambientes das três propriedades. Inaugurado em novembro de 2014 em meio às dunas da Praia Mansa, o Bahia Vik ocupa um terço da área total de um condomínio de casas de luxo. É Formado por 15 bangalôs contemporâneos, além de uma construção principal com pátio interno que abriga outras dez suítes em dois níveis circundada por piscinas e quatro espelhos d’água. O interior de cada ambiente foi pintado por um artista diferente, o que faz com que nenhum seja igual ao outro. Na área das refeições, um impressionante afresco do uruguaio Carlos Musso, com figuras dos signos do zodíaco, ocupa todo o teto.

Logo ao lado do Bahia Vik está o “parador” La Susana. Aberto a não hóspedes, esse misto de restaurante, bar e lounge pé-na-areia cujo nome homenageia a mãe de Alex Vik chega a receber 1 mil pessoas na alta temporada. “Para atender a todo esse público, temos de manter uma estrutura que também pode servir a eventos”, disse Oliveira. E aí entra a outra aposta para atrair turistas nos meses de baixa estação. Entre o hotel e o parador está o Pavillion, espaço que já sediou exposições, feiras de moda e gastronomia, projeções de filmes dentro do festival de cinema de José Ignacio e até show de DJs da Espanha e da França para públicos de 1,2 mil pessoas.

Este ano, tanto o Estancia quanto o Bahia Vik ficarão abertos ininterruptamente até 31 de julho, fechando para manutenção e voltando a funcionar em soft opening a partir de 15 de setembro. A data será também a da reinauguração do Playa Vik, o mais sofisticado dos três e que está sendo totalmente renovado para a próxima temporada.