Em apenas dois anos e meio no Brasil, o japonês Hiroki Chino diz que já viu de tudo um pouco por aqui. Queda de presidente da República, uma crise econômica histórica, inflação elevada e até um inesperado bom resultado do mercado premium de produtos eletrônicos em meio à crise. Para alguém acostumado com a estabilidade do mercado japonês, pode parecer muitos desafios em tão pouco tempo. Mas Chino demonstra otimismo não só por ver no brasileiro um desejo por novas tecnologias, mas também que a recuperação das vendas de eletrônicos reflete os sinais de melhoria da economia.

“Em janeiro e fevereiro, não conseguimos ver recuperação, mas, de repente, ela começou em março”, disse à DINHEIRO Chino, presidente da Sony Brasil. A empresa também voltou a focar na busca de produtos de mais robustez e com diferenciais de tecnologia, em vez de competir por preços com os rivais mais populares, como a Samsung. Com isso, a Sony anunciou na quarta-feira 7 suas novas linhas de eletrônicos. Dentre eles, uma tevê com 4K de definição em versões de 75 e 100 polegadas, que custam, respectivamente, em torno de R$ 40 mil e R$ 350 mil. Confira a entrevista.

DINHEIRO – O mercado de eletroeletrônicos sofreu muito durante a crise. Ele vai se recuperar logo?

HIROKI CHINO – Estamos começando a ver uma recuperação, e um bom potencial para os produtos que estamos lançando no momento. Normalmente, convidamos os principais parceiros antes de fazer grandes anúncios de lançamentos, como uma forma de começar a preparação de vendas. A resposta deles foi extremamente positiva aos nossos produtos deste ano. A minha história no Brasil é de apenas dois anos e meio. E, nesse período, já vi de tudo por aqui. Desta vez, a reação foi a melhor de todas.

DINHEIRO – A crise política não pode afetar essa melhoria de cenário?

CHINO – Por conta do otimismo dos varejistas, estou confiante que a situação econômica de alguma forma já se estabilizou. Ainda vai levar um tempo para o mercado voltar ao topo, mas acredito que não haverá mais queda de consumo. Com isso, posso projetar melhor o futuro. Foi difícil lançar produtos nos últimos anos.

DINHEIRO – Já sente, então, que o varejo voltou a crescer?

CHINO – Não tenho uma visão total do setor, além do que leio ocasionalmente nos jornais, em especial, sobre os grandes varejistas. Falando de eletrônicos de consumo, e, em particular, do setor de televisores, realmente vemos uma tendência muito boa agora. Em janeiro e fevereiro, não conseguimos ver alguma recuperação, mas, de repente, ela começou em março. Os últimos três meses mostraram uma tendência muito positiva. Houve um crescimento de 20% em comparação com o mesmo período do ano passado. Talvez até mesmo fevereiro poderia ter sido melhor, se não fosse calendário completamente diferente do ano passado. O feriado de Carnaval ficou para o fim do mês. Fica difícil comparar, dessa forma, os resultados com o mesmo mês do ano anterior. Mas a minha expectativa é a de que a indústria de eletrônicos e em especial a de televisores já começa a mostrar bons sinais. A recuperação já começou.

DINHEIRO – O brasileiro deixou de investir em televisores por muito tempo. A recuperação pode ser completa com a Copa do Mundo do próximo ano, ao estimular que as pessoas deem um salto tecnológico em seus aparelhos?

CHINO – Depende da seleção brasileira (risos). Na última edição, foi um pesadelo. Quando cheguei no Brasil, em 2014, ninguém queria falar sobre a Copa do Mundo. Mas, como nos Jogos Olímpicos, o time brasileiro foi bem, as perspectivas são boas. As pessoas estarão mais confiantes. A chave é o Neymar. Esperamos que ele não se machuque durante a próxima temporada. Isso vai ajudar bastante.

DINHEIRO – Não apenas em televisores mas também em aparelhos de som, a Sony está apostando em tecnologias bem avançadas mesmo para os padrões dos países mais desenvolvidos. O atraso tecnológico do mercado brasileiro em comparação com o japonês e o americano ficou menor?

CHINO – Os consumidores brasileiros gostam muito de novas tecnologias. São muito espertos. Não quero trazer para cá tecnologias mais antigas, porque as pessoas sabem o que é novidade e o que não é. Hoje, todo mundo tem mais informação. Se não trouxermos os principais lançamentos, as pessoas irão para os EUA e comprarão lá. Seria a pior coisa que poderia acontecer para mim. Se você observar os produtos superpremium que estamos lançando no Brasil, eles são também as melhores tevês do mundo. Sem dúvida, vamos trazer para o País o melhor que temos ao redor do mundo. Os brasileiros esperam por isso. Percebemos, ao acompanhar a repercussão da nossa marca na internet, muito interesse em novidades. As pessoas estão curiosas para saber quais televisores serão lançados.

Consumidores brasileiros em dia de promoção de eletrônicos e televisores
Consumidores brasileiros em dia de promoção de eletrônicos e televisores (Crédito:Nilton Fukuda)

DINHEIRO – O mais difícil deve ser manter o ritmo das mudanças do consumidor nos últimos anos.

CHINO – É algo imprevisível. Os consumidores sempre encontram formas novas de usar os seus aparelhos. E temos de nos manter atrás. Tentamos, então, muitas e muitas coisas, em termos de funcionalidades. Às vezes, somos bem sucedidos, às vezes, não.

DINHEIRO – O conteúdo em streaming e on demand vai mudar o mercado?

CHINO – As pessoas nos perguntam muito sobre o futuro da televisão, se o negócio vai continuar a existir. Talvez a questão surja porque existe uma expectativa de que mais e mais pessoas vão preferir celulares, tablets e outros aparelhos para entretenimento do que a televisão tradicional. Mas descobrimos recentemente que o tempo gasto diante da tevê não mudou nada. Nós também imaginávamos que o tempo gasto seria reduzido com outras formas de entretenimento, mas surpreendentemente isso não aconteceu. O que mudou é que as pessoas estão gastando menos tempo com conteúdo transmitido por emissoras de tevê. Em vez disso, estão vendo mais conteúdo da web, como Netflix e YouTube, e também ouvindo música.

DINHEIRO – A tevê pode se tornar um centro de entretenimento?

CHINO – Há pessoas aproveitando para ouvir música disponível no aplicativo Spotify pela tevê. Acredito que os televisores estarão mais conectados não só com a internet, mas também com outros aparelhos, sistemas de som e computadores pessoais. Alguns especialistas imaginam que a tevê será o controle central de outros aparelhos de casa. Com a chegada da internet das coisas, é provável que haverá uma pré-configuração de diversos controles da sua residência. Quando você chegar tal horário do trabalho, eles se ligam. Seu forno e sua geladeira vão trabalhar de acordo com a forma que você os configurar por meio da tevê. Pensamos que será assim o futuro. O que podemos ver claramente é uma tendência de que o aparelho televisivo será mais conectado e terá mais sistemas assistentes, como o software Android TV, bem abertos e amigáveis para as pessoas usarem de acordo com a sua demanda específica.

DINHEIRO – A Sony conseguiu crescer no Brasil mesmo durante a crise?

CHINO – Estamos bem satisfeitos. O ano de 2015 foi muito difícil. Todo mundo reclamou. Mesmo em 2016 os números da indústria foram ainda piores que os do ano anterior, mas para nós foi muito melhor.

DINHEIRO – Como conseguiram um bom desempenho?

CHINO – Encontramos um posicionamento no mercado melhor do que o do setor como um todo. Sabe? Às vezes, a estratégia funciona. Desta vez, deu tudo certo. Trabalhamos de forma global. Quem olhar os nossos números mundiais, vai perceber que tivemos bons resultados consolidados. Foi uma grande mudança implementada por nosso CEO, Kazuo Hirai, de buscar mais valor do que volume.

Até a boa forma física do multimilionário Neymar pode influir na recuperação completa do mercado de aparelhos de tevê em 2018
Até a boa forma física do multimilionário Neymar pode influir na recuperação completa do mercado de aparelhos de tevê em 2018 (Crédito:Miguel Schincariol)

DINHEIRO – O que mudou na estratégia no Brasil?

CHINO – O plano global, que também foi implementado aqui, defende a volta ao básico. A Sony sempre foi, em seus 70 anos de história, uma empresa de tecnologia. Decidimos, então, voltar a focar no desenvolvimento de novas tecnologias e buscar fazer sempre algo que seja único. Às vezes acertamos, mas também houve coisas que não deram certo. Mas, mesmo com os fracassos, estamos aqui. Ao voltarmos ao básico, nos focamos em entregar algo que só a Sony possa fazer. Afinal, se não for assim, nem precisaríamos existir. Não desejamos ter as tevês de menor custo do mercado. Outras empresas podem fazer isso. Estamos realmente fazendo um esforço tremendo ao longo dos anos para investir em novas tecnologias, em funções especiais, em qualidade e em oferecer benefícios que nenhuma outra empresa está trazendo.

DINHEIRO – Uma parte importante da estratégia está voltada ao mercado premium e superpremium. Esse nicho tem se comportado melhor do que o resto do mercado?

CHINO – O mercado premium foi muito bem no Brasil, no ano passado. Está bem consolidado e estável. Mesmo no último período, de mais dificuldades econômicas, ele pemaneceu estável. Os maiores impactos foram percebidos com relação a produtos mais sensíveis a preço. Como nós estamos mais baseados em tecnologia, a marca está bem consolidada e temos consumidores leais, fomos bem sucedidos. Por isso, para nós, esse segmento específico tem se provado menos volátil.

DINHEIRO – Existem consumidores para os produtos superpremium no Brasil, considerando que uma tevê pode custar mais de R$ 40 mil?

CHINO – O Brasil tem mais super-ricos do que o Japão. A Sony possui clientes brasileiros de todos os perfis. E existem aqueles que querem o melhor do melhor. Até por isso, não podemos deixar de trazer o nosso portfólio mais atualizado.

DINHEIRO – Os impostos no Brasil dificultam a atuação?

CHINO – São um tanto complicados. É um pesadelo para todo mundo, mas pelo menos é justo para todos os competidores. A dificuldade é para todos.

DINHEIRO – E existem muitas dificuldades de fabricar localmente?

CHINO – A maior parte dos televisores que vendemos são produzidos no Brasil. Temos uma longa história de nossas fábricas se comunicarem com os fornecedores de suprimentos asiáticos de forma bem eficiente. Estamos nesse negócio há décadas. Mas é fato que muitas coisa acontecem o tempo todo. Greves na alfândega sempre ocorrem. Então, o planejamento já contempla essas dificuldades. Sempre trabalhamos com a expectativa de que vão acontecer problemas.