Aos 71 anos, o americano Rick Goings ainda guarda na memória seus primeiros passos na vida profissional. Nos poucos meses como vendedor de enciclopédias, não conseguiu convencer um único consumidor a comprar as tais coleções. Depois dessa experiência, serviu na Marinha americana por dois anos, dos quais seis meses seguidos foram em alto mar. De volta à terra firme, deixou a carreira militar e construiu, ironicamente, uma trajetória sólida no universo das vendas “porta a porta”. Desde 1997, o executivo comanda a Tupperware, uma das principais empresas de vendas diretas do mundo, com um faturamento de US$ 2,2 bilhões e um exército global de 3,1 milhões de consultoras.

Conhecida por suas reuniões nas casas dos clientes, a empresa, sediada em Orlando (EUA), fez sua fama com os potes plásticos para uso doméstico, que se tornaram sinônimos de uma categoria. E, para manter-se relevante, busca agora aprimorar esse modelo, sem abandonar a sua receita tradicional. O Brasil, um dos mercados foco nessa jornada, recebeu a visita de Goings, recentemente. Dono de um estilo showman, ele foi o anfitrião de um evento da empresa realizado no Citibank Hall, em São Paulo, que reuniu 4 mil consultoras e parceiros.

Na viagem, teve a companhia de todos os membros do Conselho de Administração, movidos por um indicador: com uma receita de mais de US$ 200 milhões em 2016, o País alcançou, pelo segundo ano consecutivo, o posto de principal operação da Tupperware no mundo. “O Brasil é uma aventura. Se você está procurando algo previsível, não venha para cá”, afirma o bem-humorado Goings, que aponta essa característica como um dos segredos do sucesso local. “Esse cenário obriga as mulheres brasileiras a serem mais proativas. Elas, de fato, fazem mais.”

No batalhão de vendas da Tupperware, 92% são mulheres. As estratégias para atrair e fidelizar essas consultoras ajudam a explicar a posição de destaque do Brasil. O País foi um dos líderes na criação e na adoção, a partir de 2015, de um programa que oferece treinamentos e atendimento personalizado às vendedoras iniciantes. E também desenvolveu um plano de carreira, que vem atraindo o interesse de executivos da empresa em outros países, como Alemanha, Índia e Estados Unidos. “Antes, as vendedoras não tinham perspectiva além do aumento das vendas”, diz Marcelo Pinheiro, diretor-geral da consultoria DirectBiz. “Hoje, elas têm a chance de chegar ao posto de distribuidoras.”

Plano: a empresa estuda produzir itens premium em sua fábrica no Rio de Janeiro (Crédito:Divulgação)

O Brasil é também um exemplo de como a Tupperware está se adaptando aos novos tempos. Claramente, a empresa tem um cuidado extremo para não criar conflitos com seu principal ativo. A companhia tem investido em ações nas redes sociais, para apoiar o relacionamento com as forças de vendas e atrair consultoras, especialmente das novas gerações. No entanto, a entrada em formatos como o comércio eletrônico e o varejo físico está descartada no País, ao menos no médio prazo. “É como estar casado e ter uma namorada” diz, aos risos, Goings. “Não queremos perder a confiança de nossas parceiras.”

Isso não significa que a Tupperware siga com o seu modelo intacto. Uma das novidades envolve um dos seus pilares: a demonstração de produtos. A empresa vai inaugurar três estúdios com essa finalidade no Brasil. Com investimentos de distribuidores, as primeiras unidades serão abertas, até o início de 2018, em Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS) e São Bernardo do Campo (SP). Com espaço para eventos como aulas de culinária, a ideia é oferecer mais um canal para explicar os recursos de cada item do portfólio.

A companhia também tem planos para a sua fábrica no Rio de Janeiro. “Nos últimos anos, expandimos cinco vezes a capacidade dessa unidade”, diz Tricia Stitzel, diretora de operações da Tupperware. Desde 2014, a Tupperware investiu US$ 55 milhões para ampliar sua produção global. A unidade carioca recebeu a maior parte desses aportes. “Agora, estamos avaliando fabricar produtos premium no Brasil.” Entre outros itens, o portfólio da Tupperware inclui uma panela de pressão para microondas, feita de plástico e com preço de R$ 610.

A oferta de produtos desse porte, com recursos mais sofisticados, que facilitam e agilizam a preparação de alimentos saudáveis, é a aposta para a disputa com as marcas de preços mais acessíveis “Não tentamos competir cabeça a cabeça com essas empresas. Nós vamos onde elas não estão”, diz Goings, enquanto, como bom vendedor, prepara um salmão em um dos recipientes da Tupperware, para demonstrar a funcionalidade da embalagem. Nove minutos depois, ele serve o prato. E dita a receita da empresa para o futuro. “A base do nosso negócio é a confiança das consultoras e a inovação constante.”