O reajuste salarial prometido pelo presidente Jair Bolsonaro a policiais federais em ano eleitoral pode provocar um efeito cascata nos Estados, onde governadores já são pressionados a aumentar os valores pagos às polícias Civil e Militar. Em São Paulo, a gestão do tucano João Doria, pré-candidato à Presidência da República, é alvo de críticas de ambas as corporações que, próximas ao bolsonarismo, planejam intensificar a campanha salarial até abril, data-limite para concessão de aumento a servidores segundo a legislação eleitoral.

Assim como ocorre em São Paulo, há previsão de protestos organizados por sindicatos militares e civis em outros Estados, como Minas, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul. Como policiais não podem, por força de lei, fazer greve, a estratégia passa pela adoção da chamada operação-padrão – quando só os serviços essenciais são oferecidos à população.

“O governo Bolsonaro, infelizmente, não pode melhorar o salário dos militares de todo o Brasil. Se pudesse, tenho certeza que ele faria, como fará com os federais. Ficamos chateados porque o Doria prometeu, na campanha, que passaríamos a ter o segundo melhor salário do País, perdendo só para o Distrito Federal, mas ele só nos deu 5% de recomposição até agora”, afirmou o cabo Wilson Morais, presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo, que no fim do mês promete retomar manifestações públicas por aumento.

Ao Estadão/Broadcast, o governo paulista afirmou que atualmente finaliza os estudos técnicos e financeiros para definir o porcentual de aumento para as forças de segurança. A intenção é encaminhar um Projeto de Lei Complementar com essa finalidade à Assembleia Legislativa (Alesp) a tempo de ser aprovado antes de abril.

Para o sindicato dos delegados de polícia do Estado, a concretização do plano é essencial para que se possa dar uma vida digna a quem se arrisca todos os dias. “É hora de estabelecer um cronograma de recomposição que seja de fato cumprido para que possamos ter salários condizentes com os riscos e responsabilidades das funções que exercemos”, disse a presidente da entidade, Raquel Kobashi Gallinati. Ela classificou a intenção de Bolsonaro com relação à Polícia Federal como “extremamente positiva” e exemplo para os Estados.

Em Minas, o sindicato dos policiais civis vai se reunir nos próximos dias para definir se haverá operação-padrão como forma de cobrar o governo Romeu Zema (Novo). “Não descartamos essa possibilidade. É uma guerra que temos enfrentado, e é hora mesmo de pressionar. A PF faz praticamente o mesmo trabalho que a gente. Por que eles podem ter reposição salarial e nós não?”, reclamou o presidente José Maria de Paula. Entidades do Paraná e do Rio Grande do Sul discutem medidas semelhantes.

UNIFICAÇÃO

Em dezembro passado, caiu o veto a reajustes imposto pelo socorro federal concedido durante a pandemia, o que também elevou a cobrança por medidas do tipo. “Há a pressão, e ela é natural. O Rio Grande do Sul ficou seis anos sem pagar os seus servidores em dia. Ano passado conseguimos até adiantar o 13.º salário. Com o Estado em melhores condições, a pressão por recomposição aumenta, e estamos trabalhando em um projeto que possa corrigir ao menos parte da inflação, mas abaixo dos dois dígitos, e para todo o funcionalismo”, disse o governador Eduardo Leite (PSDB).

Para fugir de reivindicações pontuais, a opção de muitos governadores tem sido adotar um porcentual único para todas as categorias, com ganho real ou apenas correção inflacionária. É o caso, por exemplo, de Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte, Amazonas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

No Espírito Santo, mesmo após a gestão Renato Casagrande (PSB) prometer reposição geral – o índice ainda não foi anunciado -, uma carta assinada por 15 coronéis da PM foi endereçada à chefia da Secretaria de Segurança Pública em dezembro com uma série de reivindicações, entre elas um plano de valorização salarial. Casagrande não cedeu à pressão e segue com a intenção de conceder o mesmo reajuste a todos os servidores.

Em Minas, Zema atrela a possibilidade de reposição salarial à aprovação, pelos deputados estaduais, do projeto de lei que trata sobre a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). “Com a adesão ao RRF, além de evitar retrocessos, o Estado terá condições de aplicar a recomposição da inflação nos salários de todas as categorias do funcionalismo público”, afirmou a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão.

No Paraná, o governo Ratinho Júnior (PSD) sancionou 3% de recomposição para todo o funcionalismo, porcentual que desagradou a todas as categorias e levou policiais militares de Londrina, Foz do Iguaçu e Francisco Beltrão a protestarem nas ruas. A entidade que os representa quer ao menos 35% de recomposição.

Igualmente pressionados, os governos de Santa Catarina e Rio de Janeiro anteciparam-se ao período eleitoral e aprovaram ano passado projetos destinados a atender o funcionalismo. Bombeiro de formação, o governador Carlos Moisés (sem partido) ampliou o salário inicial de um agente das forças de segurança – militar ou civil – para R$ 6 mil. No geral, os índices de correção variam de 21% a 33%.

Já no Rio, a gestão Claudio Castro (PSC) autorizou valorização de 22% para todo o funcionalismo, incluindo policiais. A batalha travada pelos militares agora diz respeito a gratificações e correção do soldo, vetados pelo Executivo.

CARREIRA

Sem poder pagar recomposição ou aumento real, alguns Estados anunciam programas de promoção e progressão na carreira. É o caso do governo de Goiás, por exemplo, que pretende ampliar a folha de pagamento dos agentes de segurança em R$ 116,2 milhões neste ano.

A gestão Ronaldo Caiado (DEM) diz que promoverá oficiais e praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, assim como servidores da Administração Penitenciária, delegados e demais policiais civis.

Em São Paulo, além do projeto para concessão de aumento, o governo Doria ressalta que pagou às forças de segurança mais de R$ 1 bilhão em bônus por resultados desde 2019. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública também informou que já contratou 10,7 mil novos policiais e que investe constantemente na capacitação dos agentes, assim como nos equipamentos oferecidos para o trabalho.

‘TRAIÇÃO’

A repercussão negativa da promessa de reajuste a policiais federais entre os demais servidores levou o presidente Jair Bolsonaro a ensaiar um recuo que só aumentou a pressão sobre o seu próprio governo. Hoje, o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, afirmou que o “estilo de comunicação do presidente é dúbio e confuso, mas que ele assumiu um compromisso.

“Isso (recuo) seria visto como ‘mais uma’ traição, pois já foram feitos compromissos na tramitação da reforma da Previdência que não foram honrados. Ademais, ele seria o único presidente em 20 anos a não conceder reposição geral ao funcionalismo”, disse.

Marques se referiu à fala de Bolsonaro no sábado, quando ele não garantiu recomposição para ninguém. “Tem uma reserva de R$ 2 bilhões que poderia ser usada para a PF (Polícia Federal) e a PRF (Polícia Rodoviária Federal), além do pessoal do sistema prisional. Mas outras categorias viram isso e disseram ‘eu também quero’, e veio essa onda toda”, disse o presidente, em referência aos grupos de servidores que já entregaram cargos (como comissionados da Receita Federal) e agora planejam greve.

O movimento é reflexo da pressão feita por Bolsonaro para o Congresso aprovar uma reserva de R$ 1,7 bilhão no Orçamento para atender exclusivamente as forças de seguranças. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.