O monitoramento da circulação de novas variantes do coronavírus pelo País esbarra na falta de centros especializados em análise genômica e na dificuldade de obter financiamento e insumos para as análises. Não à toa, a nova variante brasileira do coronavírus foi identificada em outro Estado somente ontem, após ao menos quatro países já terem detectado a cepa em seus territórios: Estados Unidos, Japão, Alemanha e Reino Unido, países com mais centros de pesquisa na área.

Desde o início da pandemia, o Brasil depositou cerca de 2,5 mil genomas sequenciados no site Gisaid, banco online de sequenciamentos que traz dados do mundo inteiro. Em comparação, o Reino Unido, que no mês passado identificou uma nova variante no sudeste da Inglaterra, já submeteu ao banco mais de 150 mil genomas.

“Desde o início da pandemia, eles organizaram todos os polos e universidades para fazer sequenciamento de SARS-CoV-2, conseguiram financiamento e montaram essa estrutura. Além disso, eles têm fabricantes locais de reagentes. A gente depende da importação de insumos”, explica Paola Cristina Resende, pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e membro da Rede Genômica Fiocruz, responsável por receber amostras de todos os Estados para sequenciamento.

“São dez amostras por mês de cada Estado, mas, com a emergência das novas variantes, pedimos o envio de 30 a 40 amostras de dezembro e janeiro para verificar se a cepa está circulando em algum outro local”, diz. Parte dos Estados não tem estrutura própria para sequenciamento genético e depende de parcerias com centros de excelência como a Fiocruz para ter amostras analisadas.

Essa desigualdade regional fica clara na análise dos genomas submetidos ao Gisaid. A maioria é de amostras do Sul e Sudeste. Estados do Centro-Oeste, por exemplo, têm menos de dez genomas sequenciados cada.

Além da rede da Fiocruz, referência para o País, o sequenciamento genético de amostras do SARS-CoV-2 é feito principalmente pelas redes Coronaômica, coordenada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), e pela rede do Ministério da Saúde da qual o Instituto Adolfo Lutz faz parte.

“As redes em si são relativamente bem estruturadas, muitas universidades têm equipamentos, mas a maioria dos reagentes e equipamentos é importada, ou seja, cotada em dólar. Com essa situação cambial terrível, temos dificuldades na compra desses insumos”, diz o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Coronaômica e professor da Universidade Feevale.

“O aparelho que usamos para o sequenciamento completo custa R$ 400 mil, mas mesmo se formos usar outra técnica mais simples, a de MinION, o aparelho sai muito mais caro no Brasil. Fora, sai por U$ 900. Se formos importar, fica por R$ 17 mil”, conta Adriano Abbud, diretor de Respostas Rápidas do Instituto Adolfo Lutz.

Os pesquisadores ressaltam que, mesmo sem uma estrutura mais ampla de sequenciamento, a emergência de novas variantes preocupa e deve motivar medidas restritivas mais rígidas. “Deveríamos ter um controle maior de deslocamento entre Estados, dentro das cidades. As variantes são resultado de deixar o vírus se disseminar livremente”, diz Spilki.

Governo

A reportagem procurou os Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia para falar sobre os investimentos feitos na rede genômica, mas não recebeu resposta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.