A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contra a progressão do operador do mensalão, Marcos Valério, para o regime semiaberto. Em manifestação ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ela aponta supostos privilégios e suspeita de corrupção do delator dentro do cárcere na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado de Sete Lagoas. Ele foi transferido, em setembro de 2018, para o Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Valério foi condenado a mais 37 anos de reclusão e está preso desde 2013, no mensalão. O primeiro escândalo da era Lula levou à prisão quadros importantes do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) e José Genoino, ex-presidente do partido. Ele fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal, em que se compromete, por exemplo, a revelar detalhes do mensalão tucano, que envolve o PSDB de Minas e a candidatura à reeleição do ex-governador do Estado Eduardo Azeredo, em 1998.

Um processo administrativo chegou a ser aberto após denúncias de que Valério deixava a Apac sem algemas, usava celulares, e ainda pagava propinas ao presidente da unidade. De acordo com depoimentos, outro detento teria fornecido uma conta bancária para viabilizar os pagamentos. O processo, no entanto, foi arquivado. A procuradora-geral pediu ao Ministério Público Estadual de Minas Gerais que encaminhe documentos a respeito da investigação na área criminal.

A procuradora-geral ressalta que “não consta dos autos do procedimento administrativo disciplinar disponibilizado ao STF referência do Conselho Disciplinar do Complexo Penitenciário de Nelson Hungria ao resultado final da cautelar de afastamento de sigilo bancário ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais”.

“Esse elemento probatório não poderia ser ignorado, notadamente porque a investigação administrativa fora deflagrada ante a notícia de que Marcos Valério teria tratamento privilegiado na APAC ‘sob o comando e conivência do Presidente’, Flávio Lúcio Batista Rocha. E, o que é mais grave: em contrapartida, Flávio Lúcio teria recebido vantagem indevida do sentenciado, dinheiro que teria circulado na conta bancária de outro detento, Adão Teixeira do Carmo”, afirma.

Na peça, a procuradora-geral menciona depoimentos de funcionários e detentos do estabelecimento prisional à Promotoria de Minas em que citam Valério como o único preso que não usava algemas em saídas da instituição.

Também mencionou depoimentos que relatam encontros entre ele e sua mulher no consultório odontológico, onde seu dentista teria fornecido um celular. Uma testemunha que trabalhava na APAC afirmou que Marcos Valério se casou fora da instituição.

Um funcionário da instituição ainda disse “que já ocorreu de o filho e a filha do Marcos Valério entrarem na Apac, no regime fechado, junto com os advogados dele, isso sem que tivessem feito o registro de visita e também em dia que não destinado à realização de visitas”.

A procuradora-geral ainda pediu para ter acesso a documentos sobre denúncia do próprio operador do mensalão a respeito de extorsões que ele teria sofrido. Ele alegou à Polícia que recebeu pedidos de R$ 100 a R$ 200 mil de funcionários da unidade em que se encontrava preso.

Raquel ainda cita decisão da Vara de Execuções Penais de Sete Lagoas/MG, em setembro de 2018, que discorre sobre a denúncia de Valério. “A meu sentir, os relatos dos funcionários da APAC somadas as declarações dos apenados retratam com clareza e robustez a diferença de tratamento entre o recuperando Marcos Valério e os demais apenados, ferindo de morte o princípio da isonomia entre os reeducandos”.

“Não é crível e tampouco factível que todos os funcionários da APAC, assim como os apenados ouvidos pelo MP tenham problemas e queiram, todos, prejudicar Marcos Valério”, anotou.

Pedidos

Ao se manifestar pelo indeferimento do pedido de progressão de regime, Raquel pede ainda a efetivação das seguintes diligências:

(a.1) obter, mediante manifestação do Delegado Rodrigo Bossi de Pinho, esclarecimentos sobre a autenticidade das petições apresentadas à Polícia Civil de Minas Gerais pela defesa de Marcos Valério Fernandes, veiculando registros de extorsões sofridas;

(a.2) obter informações sobre as investigações eventualmente deflagradas a partir

dessas notícias de extorsões sofridas pelo sentenciado Marcos Valério, com fornecimento de cópia, em meio de digital, dos autos correspondentes;

(b) a expedição de ofício ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, solicitando informações sobre o desfecho da cautelar de afastamento do sigilo bancário de Adão Teixeira do Carmo, e bem assim do Procedimento Investigativo Criminal ali instaurado (PICMPMG 0672.18.000667-4), além de cópia, em meio digital, dos autos correspondentes;

(c) seja determinada a avaliação do sentenciado por junta médica oficial, para comprovar a alegada recidiva de doença onco-hematológica;

(d) a expedição de ofício à Procuradoria da Fazenda Nacional, para informações sobre eventual cobrança administrativa e/ou judicial, dos valores decorrentes da pena de multa aplicada.

Por fim, requeiro que a documentação relativa aos extratos bancários de Adão Teixeira (fls. 79/96 do processo administrativo disciplinar) seja juntada em apenso sigiloso, para o fim de se resguardar o seu conteúdo.