Lucas Kuniton, de 21 anos, já prestou vestibular para Medicina e Direito, mas neste ano vai tentar entrar no que sempre quis: Psicologia. Como ele, muitos jovens têm trocado as carreiras mais tradicionais para estudar o comportamento humano. Nos últimos anos, o curso atraiu, proporcionalmente, mais ingressantes do que outras graduações por questões comportamentais e sociais.

Os dados mais recentes do Censo da Educação Superior mostram que, entre 2012 e 2016, o número de ingressantes em Psicologia cresceu 25,8%. O aumento é superior ao de cursos como Direito (que avançou 14,5%), Engenharia (1,2%), Pedagogia (19,7%) e Administração (que teve queda de 17,2%).

Para especialistas de entidades que representam o setor, o aumento na procura dos jovens pelo curso é um reflexo do momento conturbado vivido pelo País, com problemas políticos, econômicos e sociais. Eles também dizem que a mudança de abordagem em algumas escolas, com maior abertura para debater questões comportamentais e emocionais, pode contribuir para despertar o interesse.

No Colégio Santa Maria, na zona sul da capital paulista, pela primeira vez o curso com maior procura pelos alunos do 3.º ano do ensino médio é a Psicologia. Dos 129 estudantes, 29 disseram que desejam ser psicólogos. Em outros anos, o foco maior era Engenharia, Medicina e Direito. O diretor Silvio Freire diz que o interesse pode ter surgido pelo maior contato dos jovens com assuntos da saúde mental e comportamental. “A escola deixou de ter uma visão de ser uma mera reprodutora de conhecimento. Outras questões são abordadas e tratadas com a mesma importância, como a sua relação com o outro. Trabalhar esses aspectos pode ter despertado o interesse”, diz.

Foi depois de assistir a um documentário sobre bullying na aula de Língua Portuguesa que Maria Fernanda Marolla, de 16 anos, decidiu pela carreira. “O documentário questionava alguns comportamentos que vemos como naturais. Fiquei apaixonada pela forma como era feita essa análise, como isso molda quem somos e nos relacionamos”, conta. “Estudar sobre como a mente funciona, como nossos comportamentos e relacionamento são moldados, é muito atraente”, completa a colega Maria Fernanda Oliveira.

João Coin, diretor da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (Abep), diz que a entrada da temática de saúde mental e relações humanas no ensino médio explica em parte a opção. Ele ainda destaca um maior entendimento da sociedade sobre a necessidade do “autocuidado”. “Muita gente procura o curso porque quer cuidar das próprias questões, vê que é uma área em que o sujeito pode se conhecer melhor.”

Para Coin, a escolha por uma graduação pelo benefício pessoal antes do profissional é também uma característica de parte dessa geração de adolescentes, que busca primeiro satisfação no trabalho ao reconhecimento social ou financeiro. “Muitos jovens pensam no trabalho como algo que prioritariamente traga satisfação.”

Em outro colégio paulistano, o Pio XII, também na zona sul, em dois anos a procura pelo curso cresceu 30%. Dos 200 alunos que estão no ensino médio, 30 querem a área – atrás de Medicina (com 35) e Engenharias (38).

Segundo a coordenadora Viviane Direito, a rotina de sala leva a discussões da área. “É fundamental que as pessoas saibam se relacionar, sejam mais resilientes, assertivas, criativas. Para isso, é preciso falar sobre o comportamento humano. Assuntos que antes eram tabu, hoje fazem parte da aula.”

Medo

Deisy das Graças de Souza, diretora da Associação Brasileira de Psicologia (ABP), diz que a busca pelo autoconhecimento é intensificada em momentos em que há uma “sensação de medo” na geração. “O jovem tem medo e, por isso, está pedindo ajuda. Seja pedindo para falar sobre o assunto ou buscando respostas com o estudo”, diz.

Mercado

A tendência se reflete nos vestibulares. Na Fuvest, por exemplo, o curso teve a terceira maior relação candidato/vaga no ano passado, 61,10, atrás apenas de Medicina e Audiovisual. Em 2012, eram 31,4 por vaga. Nas particulares, observa-se efeito semelhante – no Mackenzie, a procura avançou 35,4% em cinco anos. E o movimento também foi notado pelo mercado: o número de instituições com o curso cresceu 32% entre 2012 e 2016, passando de 419 para 531. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.