Anunciada em dezembro de 2009, a fusão entre Casas Bahia e Ponto Frio figura entre as principais transações da história do varejo brasileiro. Fruto de longas rodadas de negociações entre a família Klein e o empresário Abilio Diniz, o acordo resultou na criação da Via Varejo, gigante dos eletroeletrônicos que elevou o faturamento do Grupo Pão de Açúcar (GPA) para polpudos R$ 40 bilhões, na época. Passados oito anos, Diniz está fora do negócio e a companhia está no centro de uma nova trama que promete redesenhar o cenário competitivo do setor no País.

Oficialmente, esse enredo começou a ser escrito em novembro, quando o GPA informou que estava avaliando alternativas envolvendo o seu investimento na empresa. Antes, porém, seu atual controlador, o grupo francês Casino, liderado pelo CEO Jean-Charles Naouri, já havia manifestado em diversas oportunidades o desejo de se desfazer de sua fatia de 43,3% na operação e concentrar os esforços no varejo alimentar. Sob os indícios crescentes de mudanças no controle da empresa, que ganharam força com a contratação dos bancos Santander, Rothschild e HSBC para assessorar o processo, o leque de potenciais compradores vem suscitando uma onda de especulações.

À espera: o empresário Michael Klein, que detém uma participação de 27,3% na Via Varejo, ainda não se manifestou sobre a possibilidade de seguir na operação
À espera: o empresário Michael Klein, que detém uma participação de 27,3% na Via Varejo, ainda não se manifestou sobre a possibilidade de seguir na operação

À parte dessas apostas, no entanto, a venda da companhia é dada como certa na sede da Via Varejo, em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Nas salas e corredores, o tom das conversas é de ansiedade e apreensão. “Boa parte dos executivos enxerga uma mudança profunda no modelo de gestão, seja qual for o comprador”, diz uma fonte do setor. “Muitos acreditam que o perfil será financista, com busca de resultados rápidos e grande possibilidade de cortes.” Procurado, o Casino disse que não comentaria o tema. O GPA afirmou que a venda da operação, avaliada em R$ 4,9 bilhões, está em curso e que o mercado será informado sobre qualquer novidade.

Ao que tudo indica, o processo começa a avançar, de fato, nesta semana. Segundo apurou a DINHEIRO, na quarta-feira 8, serão apresentadas as primeiras propostas formais pela companhia. A relação de empresas que estariam no páreo inclui a brasileira Lojas Americanas, o gigante chinês Alibaba e os fundos americanos de private equity Advent e Carlyle. Procuradas, essas companhias disseram que não iriam se manifestar. Outros nomes especulados, como a chilena Falabella e o sul-africano Steinhoff, estão descartados. Ao contrário do suposto apetite da dupla pela operação, ventilado anteriormente no mercado, os dois grupos teriam, na verdade, sido procurados pelo Casino e não mostraram interesse por um acordo.

Em meio às negociações que correm a portas fechadas, analistas e executivos ouvidos pela DINHEIRO tentam medir o real grau de interesse das empresas que avaliam a compra da Via Varejo. Dois fatores são apontados como essenciais para que o ativo consiga atrair o maior número possível de potenciais compradores: a busca por eficiência operacional e a necessidade de acelerar a integração dos negócios offline e online. Em relação a essa última vertente, a empresa só incorporou as operações de comércio eletrônico do Ponto Frio e da Casas Bahia, reunidos sob a bandeira Cnova, no segundo semestre de 2016.

Até então, cada companhia era independente, o que dificultou a implantação de uma estratégia multicanal. “Eram negócios totalmente apartados, que só compartilhavam as mesmas marcas e, na prática, eram concorrentes”, diz um executivo do setor. “A empresa ficou engessada e não acompanhou a velocidade de rivais, como a Magazine Luiza, que avançou muito nessa esfera.” Os reflexos dessa falta de “diálogo” ficaram explícitos há duas semanas, quando a Via Varejo reportou, pela primeira vez, resultados que simulavam a incorporação da Cnova. Sob o peso de uma perda de R$ 845 milhões dos negócios online, a companhia apurou um prejuízo líquido de R$ 750 milhões em 2016.

De saída: o grupo francês Casino, do CEO Jean-Charles Naouri, quer se desfazer da Via Varejo para se concentrar no varejo alimentar
De saída: o grupo francês Casino, do CEO Jean-Charles Naouri, quer se desfazer da Via Varejo para se concentrar no varejo alimentar

A receita no ano foi de R$ 23,2 bilhões, em queda de 8,7% na comparação com 2015. A empresa ressaltou, no entanto, que capturou R$ 325 milhões em sinergias com as primeiras iniciativas de integração, com medidas consolidadas no último trimestre, como a unificação de estoques. No decorrer de 2017, a Via Varejo espera obter um ganho adicional de R$ 245 milhões nessa frente. Ao mesmo tempo, o grupo sinalizou uma estratégia mais cautelosa no varejo físico, ao contabilizar a inauguração de oito lojas, ante o fechamento de 47 pontos de venda, encerrando o ano com 975 pontos de venda.

Para Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores, a Lojas Americanas é a favorita para uma aquisição, pelo fato de a empresa ser controlada por sócios do fundo 3G Capital, do bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemannm. Ele é conhecido por comprar operações que combinam um grande faturamento com baixa eficiência operacional, o que permite fazer grandes economias operacionais e obter lucros imensos. “A Via Varejo se encaixa perfeitamente nessa tese de investimentos”, diz. “E esse perfil tem capacidade de acelerar as mudanças necessárias na companhia”.

A aprovação, em fevereiro, de uma oferta primária de ações da Lojas Americanas seria mais um indicativo de que o grupo estaria avaliando um acordo. A expectativa é captar R$ 2,5 bilhões. “O valor não é suficiente para a transação, mas é um sinal de que a empresa está aumentando sua liquidez para investir”, afirma um executivo do setor. “Ao mesmo tempo, o 3G Capital tem uma enorme capacidade de captar mais recursos para concluir a compra e reestruturar o negócio, assim como fez com a Americanas.”

Desafio: para analistas, a falta de integração entre as lojas físicas e os canais online é uma das principais falhas da Via Varejo
Desafio: para analistas, a falta de integração entre as lojas físicas e os canais online é uma das principais falhas da Via Varejo

Contudo, nem todos enxergam com bons olhos uma eventual aquisição pela Lojas Americanas. Além da alta complexidade para integrar as duas operações, a cultura de cortes de despesas, ganhos de eficiência e de metas extremamente ambiciosas dos sócios do 3G Capital é visto como o maior entrave. “Eles entram com o pé na porta e impõem seu modelo de gestão. Seria uma transição extremamente traumática”, afirma uma fonte do varejo. Outro executivo observa que um acordo integraria duas operações acostumadas “a frustrar as expectativas de investidores e acionistas”: a Cnova e a B2W, empresa que concentra os negócios online da Lojas Americanas. “Seria como unir o pior de dois mundos”, diz.

A implantação de uma estratégia multicanal e o foco em aprimorar a eficiência das operações também seriam os motivos que justificariam o investimento dos fundos Advent e Carlyle. “O grande valor do negócio para um investidor puro, que busca resultado em curto e médio prazos, é a consolidação da integração com o digital”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese. “É essa vertente que poderia valorizar o ativo para uma saída lucrativa no futuro.” Para Samuel Torres, analista da Spinelli Corretora, o corte de custos e a busca rápida por lucratividade seguiriam a mesma ordem de prioridade de um acordo da Via Varejo com a Lojas Americanas. “Tanto o Carlyle como o Advent têm uma capacidade conhecida de investir em processos intensos de reestruturação”, afirma.

No entanto, o interesse efetivo das duas companhias também divide opiniões. No caso da dupla, um acordo faria mais sentido para o Carlyle, que tem um histórico de investimentos locais em empresas como a Tok&Stok. “Eles apostaram, por exemplo, na CVC. Mas era um ativo bem menos estressado se comparado ao momento atual da Via Varejo”, diz Adeodato Volpi Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial. A Advent, por sua vez, teria outras prioridades no momento, especialmente com a Quero Quero, varejista gaúcha de materiais de construção, adquirida em 2010. “Eles, até hoje, patinam com essa operação”, diz uma fonte que pediu anonimato. “Não faria sentido investir em uma aquisição do tamanho da Via Varejo.”

Saldo negativo: em 2016, a Via Varejo inaugrou oito lojas e fechou outros 47 pontos de venda no País
Saldo negativo: em 2016, a Via Varejo inaugrou oito lojas e fechou outros 47 pontos de venda no País

Outra empresa citada na disputa, o gigante chinês Alibaba teria uma motivação um pouco diferente de seus “rivais”. “Eles já têm uma base considerável de clientes no Brasil e estão fazendo incursões no mundo físico”, diz Alberto Serrentino. A entrada no varejo offline, ainda restrita ao seu mercado doméstico, vem se traduzindo em investimentos como o aporte de US$ 4,6 bilhões, em 2015, na Suning, varejista chinesa de eletroeletrônicos. “Com a Via Varejo, eles entrariam pela porta da frente nesse segmento no Brasil.” Para outra fonte, porém, um movimento dessa natureza só faria sentido se a empresa tivesse um acionista minoritário que já conhecesse as nuances do varejo brasileiro.

No caso, ele atende pelo nome de Michael Klein, que detém uma fatia de 27,3% na Via Varejo. Procurado pela DINHEIRO, o empresário não atendeu ao pedido de entrevista. “Klein tem a possibilidade de sair do negócio, se quiser. Mas até agora ele não se manifestou”, diz um executivo do varejo. Segundo apurou a DINHEIRO, a expectativa é concluir o processo de venda da Via Varejo até o fim do primeiro semestre. Nenhum analista se arrisca a cravar que o negócio será concretizado. O fato de Casino e GPA manifestarem claramente o desejo de se desfazer da operação é um dos fatores por trás dessa visão, especialmente por reduzir, logo de partida, o valor do ativo. “A noiva nem é tão bonita assim para ter tantos pretendentes e ela está no Tinder”, diz uma fonte.

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