Desde que assumiu o cargo interinamente, em maio do ano passado, o presidente Michel Temer jamais escondeu o seu desejo de privatizar estatais e promover concessões ligadas à infraestrutura. Trata-se de um dos pilares do documento “Uma Ponte para o Futuro”, divulgado pelo PMDB no fim de 2015. Temer fez questão de concentrar todas as informações referentes ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) num gabinete especial, no Anexo I do Palácio do Planalto. E mais: reservou para si próprio uma cadeira no Conselho do PPI, que determina os empreendimentos que entram e saem do programa.

Na quarta-feira 23, o Conselho carimbou a venda ou concessão de 57 ativos para a iniciativa privada, com um cronograma de lançamento de editais e leilões que se encerrará depois das eleições do ano que vem (leia quadro ao final da reportagem). Conforme a DINHEIRO informou em sua última edição, o aeroporto de Congonhas (SP) é o ativo mais valioso à disposição dos investidores. Sozinho, poderá gerar R$ 5,6 bilhões em outorga. Para a Infraero, no entanto, abrir mão de uma “joia” é temerário, segundo documento da estatal encaminhado ao Ministério dos Transportes.

Sob nova direção: o aeroporto de Recife (foto), administrado pela Infraero, faz parte do pactoe de concessões anunciado na quarta-feira 23 (Crédito:Divulgação)

Segundo a Infraero, o lucro de Congonhas compensa o prejuízo em outro aeroportos regionais. A estatal também deve vender sua participação de 49% nos aeroportos de Brasília (DF), Galeão (RJ), Confins (BH) e Guarulhos (SP). No total, o governo estima arrecadar R$ 44 bilhões com os novos projetos. “O programa tem contribuído de maneira efetiva para a economia brasileira”, afirmou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Wellington Moreira Franco, após o anúncio, na quarta-feira 23. “Significa a criação de novos empregos, investimentos, um negócio capaz de restabelecer o desenvolvimento sustentável do País.”

Em meio a portos, rodovias, armazéns e até uma loteria no formato raspadinha, o item mais inusitado colocado à venda pelo governo foi a Casa da Moeda. Criada em 1694 – só é mais nova que os Correios (1663) –, a estatal é responsável por fabricar cédulas e moedas sob determinação do Banco Central, além de imprimir passaportes. Apesar do espanto de muitas pessoas, é comum em vários países que gráficas privadas e até mesmo estrangeiras exerçam essa função. A Canadian Bank Note Company, por exemplo, presta serviços para mais de 30 países. No ano passado, o próprio Banco Central do Brasil importou 100 milhões de cédulas azuis de R$ 2 da Suécia, num valor inferior ao cobrado pela Casa da Moeda.

Loteria: a raspadinha, administrada pela Caixa, será concedida ao setor privado (Crédito:Divulgação)

No mercado financeiro e no setor privado, a iniciativa do governo é aplaudida. Na avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as concessões de rodovias e aeroportos, incluídas no pacote do PPI, são imprescindíveis para melhorar a eficiência e modernizar os serviços de infraestrutura, e reduzir os custos de produção no país. A privatização de companhias docas também é uma antiga demanda da indústria. “Com os investimentos e a experiência do setor privado, as administrações portuárias terão maior capacidade gerencial e mais força para elevar a eficiência dos portos brasileiros a padrões internacionais”, afirma a CNI, em nota.

Além de melhorar a infraestrutura e estimular a economia, através de obras, o PPI vai ajudar o governo a cumprir a meta de déficit fiscal de R$ 159 bilhões no ano que vem. Para o economista e consultor Tharcisio Souza Santos, a lista de estatais privatizada poderia ser ainda maior, pois elas representam “corrupção, cabide de emprego, ineficiência e desperdício de dinheiro público”. “Mais importante do que o dinheiro que será arrecadado com as vendas é dinheiro que deixará de ser gasto pelo Estado”, afirma Santos, que elogia a privatização da Eletrobras (leia reportagem aqui).

Com regras novas e mais claras em relação às concessões do governo Dilma Rousseff, a maioria dos editais só sairá no ano que vem. Como sempre pode haver contestações na Justiça, há uma enorme interrogação sobre a capacidade do governo Temer de cumprir todo o cronograma previsto. É uma situação que, na visão do economista Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, demonstra uma “improvisação” do governo, o que pode levar a erros de avaliação dos ativos. O primeiro teste será feito no início de setembro, quando o presidente Temer aproveitará a viagem à China para apresentar suas concessões aos investidores.